DOIS CÓDIGOS E DUAS REFORMAS

     Já estão sob análise do Congresso Nacional duas propostas de reformas com imensa repercussão na vida privada e pública dos brasileiros: o Código Civil e a do Código Eleitoral.

     A primeira passou por uma comissão de alto nível composta de juristas de todo o país, dentre os quais estava o civilista Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal.

     Causa preocupação pensar no destino dessa reforma a ser debatida e votada num ambiente repleto de fundamentalistas religiosos, conservadores que pugnam por normas do Antigo Testamento.

     O Código Civil é o código do cidadão, da nossa vida privada, de tanta importância que Napoleão Bonaparte chegou a dizer que maior do que todas as suas batalhas vitoriosas, foi o Código Civil de 1804, que deixou para a França e serviu de modelo para o mundo inteiro.

     Como familiarista, preocupo-me com os retrocessos eventuais que podem ser desencadeados naquele plenário, depois de tantos avanços que elevaram o Brasil como protagonista de profundas inovações na proteção das famílias. Todas sobre o foco da Constituição Federal.

     Será necessário lembrar que leis que entram em choque com os fatos da realidade nunca prosperam, serão superadas pelas forças materiais da sociedade e pela melhor hermenêutica. A lição é antiga, vem dos romanos: dá-me os fatos e te darei o direito. No velho latim: Da mihi factum, dabo tibi ius.

     A pluralidade de famílias que existe hoje não pode ser desconhecida. E o direito que ficar alheio a essas transformações será atirado na sarjeta, conforme já foi advertido por Georges Ripert: “O Direito não deve ignorar a realidade. Quando o Direito ignora a realidade esta se vinga e ignora o Direito.”

   Outra reforma que duvido que se concretize antes das eleições é a do Código Eleitoral.

     Na presidência de Sarney foi instituída uma comissão de juristas notáveis para apresentar um projeto de reforma do Código Eleitoral. O projeto foi apresentado ao Congresso e nunca foi votado. Caiu nas calendas gregas.

     As leis eleitorais têm a peculiaridade de serem rejeitadas ou aprovadas pelos seus principais interessados na matéria. Quer isso dizer com parcialidade objetiva, pois os votantes são os próprios interessados.

   Quando surgiu a Lei 9.504/96, todos aplaudiram com a promessa de que não haveria mais as famosas leis do ano eleitoral, aquelas feitas para cada eleição. Em poucos anos, o costume voltou.

     Dessas propostas de reforma do Código Eleitoral, para mim, que fui dedicado eleitoralista, com três obras publicadas sobre a matéria, a mais lamentável é a que unifica as eleições para que sejam realizadas simultaneamente num só ano. Uma vez aprovada, não teremos mais eleições de dois em dois anos. Ora, essas eleições é que oxigenam a democracia, avaliam os governadores e prefeitos, mantêm viva a disciplina de direito eleitoral, legitimam a existência da uma justiça especializada.

     Qual escritório de advocacia vai se especializar numa matéria que só será agitada de 4 em 4 anos (talvez cinco, se aumentarem os mandatos)? Que faculdade de direito manterá essa disciplina? Quais doutrinadores manterão viva essa especialidade tão importante para o direito público?

     A população está alheia a essas reformas que vão repercutir decisivamente no seu dia a dia, como cidadão, como homem político e como membro de uma família.

     Para não ser pessimista, no caso do eleitoral, alimentarei a esperança de que tudo mude para ficar como está, seguindo a lição do príncipe Fabrizio ao seu sobrinho Tancredi, no romance O leopardo, de Giuseppe Lampedusa: Se vogliamo che tutto rimanga com`é, bisogna che tutto cambi.

 

Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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