AS NOVAS FACES DA FÉ

     Uma das notícias mais curiosas do mês de fevereiro foi a publicação de dados estatísticos sobre o crescimento do número de instituições religiosas no Brasil.

     Os dados divulgados referem-se ao ano de 2022. Até esse ano, atingimos 579,7 mil estabelecimentos religiosos no Brasil. E vem a comparação: muito mais do que 511,9 mil casas de saúde e estabelecimentos de ensino. Então, prossegue a estatística: temos 286 locais de fé por 100 mil habitantes contra 130 escolas pela mesma percentagem. Só no ano de 2019, constatou-se que foram abertos 17 templos de igrejas evangélicas por dia.

     Qual a leitura que podemos fazer dessa explosão religiosa no Brasil? Fé, comércio, baixo nível cultural, elevado nível espiritual, angústia da população abandonada?

     O tema é complexo e desafia muitas discussões. Acrescento mais uma particularidade, esta fruto da minha observação. Esse boom religioso rompeu com a tradição milenar da arquitetura dos templos. Talvez pela pressa, nada de beleza nem imponência. Basta uma casinha com porta e janela.

     Se todos esses estabelecimentos religiosos até aqui criados – centenas por mês – preocupassem-se primordialmente com o bem-estar e a elevação espiritual dos seus seguidores, mereceriam nossos aplausos. Mas, se tiverem como propósito a comercialização da fé, só temos a lamentar a propagação de promessas vazias, aproveitando-se da incultura e da boa-fé de grande parte da população.

     O que me surpreende é que, no momento em que constatamos a indiferença crescente da população às práticas religiosas, paradoxalmente nos deparemos com esse fenômeno da proliferação de novas Igrejas. Será que estamos diante da atualização do pensamento de Marx ao equiparar e usar a religião como ópio do povo? Tão complexo é o tema que se formam opiniões divergentes em todos os sentidos. Por destaque, cito o neurocientista americano Sam Harris, que intitulou uma de suas obras de A morte da fé, na qual adverte que as diversas entidades religiosas existentes estão com os dias contados pelo desaparecimento da fé.

     Ao contrário desse entendimento, li, há poucos dias, um breve artigo, no jornal O Globo, do teólogo Daniel Guanaes, em que ele levanta a tese do “reaparecimento do sujeito religioso.” Sua análise não faz qualquer comparação, com o aparecimento de novas Igrejas, mas talvez aponte para uma alternativa que responda à perplexidade do nosso tema. Para caracterizar os traços do sujeito religioso, o teólogo faz esta descrição: “Pessoas interessadas no cultivo da espiritualidade, mas também indivíduos que optavam por subscrever o sistema de crenças, defende dogmas, pratica ritos e frequenta templos.”

     Nesse clima de renovação e surgimento de novas modalidades de fé, as Igrejas centenárias precisam atualizarem-se para enfrentar esses novos rumos que afrontam os princípios antigos, até mesmo a ética,  e apresentam mensagens em várias línguas.

     Ao intrometer-me a levantar um debate tão polêmico que descamba para a teologia, lembrei-me da passagem do pintor grego Apeles. Numa exposição de sua arte, atrás de uma coluna, o pintor ouviu um sapateiro fazer críticas à maneira como estava reproduzido um calçado na tela, passando, em seguida,  a criticar todo o quadro. Apeles, aproximou-se e disse-lhe: Ne sutor supra crepidam (sapateiro, não vá além do sapato).

Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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