O mágico de Macondo

Certos escritores, assim como certos  artistas que tanto bem fazem à humanidade não deveriam morrer. Mas, de repente, essa expectativa de imortalidade se rompe e nos deparamos com a realidade tão distante da ficção: a morte chega e tudo se acaba. O sólido se desmancha no ar. Só ficam para a eternidade as obras e as lições de cada um.

Não custava nada o destino conferir a Gabriel García Márquez a longevidade dos seus personagens de Macondo. Se ele fosse um Buendía viraria borboleta e sairia voando pelo seu espaço mágico.

A vida de Garcia Márquez, narrada por ele mesmo, em sua obra Viver para contar, é um repositório de aventuras, ousadias e sucessos.

Como García Márquez, possuidor de uma timidez de codorna, conforme ele mesmo avaliou-se em sua autobiografia, como pôde ele ter obtido tanto sucesso? Será num passe de mágica ou de sorte? Com certeza, não foi assim. Toda a consagração de Gabo foi o resultado da dedicação exclusiva ao ofício de escrever e do cultivo do seu talento. Como um lance sobrenatural, ele percebeu que deveria largar tudo e viver exclusivamente para escrever. Só assim seria construído o escritor que desejou tornar-se. Os passos e as dificuldades para chegar à glória são esclarecidos, com detalhes, em Viver para contar.

Não há dúvida de que o pináculo da literatura fantástica, na América Latina, é o romance Cem anos de solidão, embora não tenha sido o pioneiro nessa categoria. Por esse mérito é que o crítico americano Ilan Stavans denominou essa obra de Bíblia da América Latina. Desde seu lançamento, em 1967, esse romance revolucionou a literatura neste continente e em todo o mundo, trazendo à tona o poder da ficção, força que se sente desde o nocaute da primeira frase: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.

Quem conhece  Amor em tempo de cólera, Cem anos de solidão, Crônica de uma morte anunciada, Os funerais da Mamãe Grande, O general e seu labirinto, Memórias de minhas putas tristes, O outono do patriarca e Relato de um náufrago, dentre outras obras de García Márquez, pode aquilatar o grau de criatividade do escritor que deu ao realismo mágico o melhor tratamento literário.

Coincidentemente, eu estava em Havana, no dia seguinte à morte dele e, ali, tive a oportunidade de sentir, pelas páginas do jornal Granma a repercussão daquele fato, inclusive com a divulgação de um artigo do próprio Fidel Castro, em louvor da genialidade do falecido, seu amigo pessoal e admirador.

Pelo poder de sua ficção transgressora do possível, é que optei por chamá-lo de Mágico de Macondo e não de Aracataca, sua terra natal, perdida nas entranhas da Colômbia. Afinal, como já foi dito por alguém, Macondo é um lugar em que cabe todos os lugares do mundo. Naquele cenário encantado, as gerações dos Buendía viveram sucessivas aventuras contadas e inventadas pelo imaginário popular. O ponto mais remoto dessa árvore genealógica é o casal José Arcadio Buendía e Úrsula Iguarán. São sete gerações, nas quais destacaram-se dezessete Aurelianos.

Na geografia imaginária da literatura latino-americana, despontam três lugares que a fantasia dos seus criadores cravou num mapa em que o leitor é compensado pelos tesouros ali existentes. São eles: Comala, em Pedro Páramo, de Juan Rulfo; Santa Maria, em Junta-cadáveres e outras obras, de Juan Carlos Onetti; e Macondo, em Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez. Mesmo sendo real, Belo Monte, em Canudos, como descrita por Vargas Llosa, em A guerra do fim do mundo, pode ser alinhada entre esses lugares fantásticos.

As homenagens e os elogios lançados, por toda parte, à memória de Gabriel García Márquez são merecidos pelo que ele representou com seu talento, para as letras da América Latina, assegurando aos seus leitores momentos de lazer e aprendizagem pelo universo da ficção.

 

Publicada no jornal O Estado do Maranhão, em 11 de maio de 2014. 

Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
Saiba mais

Contatos

  • email
    contato@lourivalserejo.com.br

Endereço

Desembargador Lourival Serejo