As novas famí­lias

          Este assunto é tão vasto e importante que exigiria, para sua análise bem detalhada, que fosse tratado em capítulos. Tentarei, entretanto, resumi-lo neste espaço.

          Nos últimos anos, a família expandiu-se de tal forma que perdeu a singularidade e tornou-se plural. Hoje nos deparamos com vários tipos de famílias, cada uma com sua característica própria. Até o Direito, deixou de ser “da família” para tornar-se Direito das famílias.

          Mas que famílias são essas?

          Começarei pelas palavras do papa Franciso, em sua Exortação Evangelli Gaudium, ao dizer que a família está atravessando uma crise cultural pela fragilidade dos vínculos e pelo individualismo pós-moderno (Cap. II, 66/67). A inquietação do Sumo Pontífice é de alguém preocupado em rearrumar as famílias espiritualmente e reconhecer a contribuição do matrimônio à sociedade para “além da afetividade”.

          Para nós, os familiaristas, essa crise é vista como positiva, porque os debates suscitados levam ao aperfeiçoamento da família, e o resultado a deixa mais sólida, mais autêntica, sem o artificialismo da família antiga, preocupada mais com a instituição do que com seus componentes. A facilidade na obtenção do divórcio retirou a estabilidade do casamento, que passou a durar até que o amor acabe. A morte não é mais o limite do casamento.

          A família tradicional, nuclear, inspirada na trilogia da Família Sagrada – Jesus, Maria e José –, perdeu sua condição de modelo e de exclusividade. O sangue e o matrimônio eram as referências básicas de uma família. Com o surgimento e a expansão dos núcleos familiares, contamos hoje com novos tipos de famílias, assim denominadas: monoparental; informal; pluriparental (ou mosaico); recomposta, gerada artificialmente; virtual; e a família homoafetiva, formada por pessoas do mesmo sexo. A adjetivação das famílias reflete a multiplicidade de relações familiares ao longo da história.

          Em tempos de amores líquidos, o casamento deixou de ser o único meio de constituir uma família. Basta a união de duas pessoas, unidas pelo afeto, com um propósito comum, para que se reconheça a existência de uma família. A dignidade da pessoa humana é o suporte maior para que se respeite a opção daqueles que optaram por uma nova forma de convivência. A revolução maior das famílias contemporâneas foi a substituição da legalidade da sua constituição pelo afeto, reconhecido como elemento formador de qualquer grupo familiar. O afeto implica eleição, escolha, espontaneidade. A força do afeto tornou-se tão decisiva na nova concepção da família, que afastou até a consanguinidade. Pai, hoje, é quem ama, quem cria, quem cuida.

          Outra característica marcante da família contemporânea é ser eudemonista (do grego eudaimonia, que significa felicidade, bem-aventurança). A busca da felicidade, inclusive da plenitude sexual, tornou-se a preocupação mais importante da família moderna, em oposição às famílias melancólicas do tempo do patriarcalismo, as quais viviam, quase sempre, sob o jugo de um pai tirano ou indiferente, que não respeitava a mulher nem os filhos, amando-os como seres portadores de dignidade própria.

          Apesar dessa marca individualista, no mundo de insegurança e violência, a família ainda é um local de apoio emocional e estabilidade, procurado e desejado por todos. A autenticidade que caracteriza as relações familiares na atualidade, pela democratização da família, contribui para a higidez desse refúgio, desse ninho, como tão bem assinalou Michelle Perrot. As expressões externas de novos grupos familiares coincidiram com as mudanças internas na formação da família pós-moderna. A instituição que absorvia seus membros agora respeita a individualidade de cada um.

          A psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco, autora da sugestiva obra A família em desordem, rebate as conclusões negativas sobre os rumos da família contemporânea, para concluir que “do fundo de seu desespero, ela aparece em condições de se tornar um lugar de resistência à tribalização orgânica da sociedade globalizada”.

          A família do século XXI é uma família feliz, leve, democrática, aberta, autêntica, que sabe o que quer e resolve seus problemas de forma transparente; tem um significado mais profundo, como refúgio de segurança emocional diante das incertezas e violências praticadas à sua volta. E, se incorporar a Palavra de Deus como integrante dessa autenticidade, melhor ainda.



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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