Os túneis da liberdade

A frequência com que se verificam, nos últimos anos, as fugas de presos da Penitenciária de Pedrinhas, por meio de túneis ali cavados, inspirou-me a divagar por estas linhas. De vez em quando, descobre-se um túnel, ou já utilizado para as fugas, ou prestes a ser usado. Neste último caso, pode-se imaginar a revolta e a frustração do detento que viu suas esperanças estancadas, depois de tantas esperanças e tantos esforços.

Sem querer despejar qualquer tipo de crítica aos responsáveis (alguma coisa de errado deve estar acontecendo), atenho-me apenas ao lado aventuroso e humano dessas ações.

O túnel é um dos meios mais antigos e tradicionais de fuga de presos. A história e a literatura estão cheias dessas aventuras passadas por todo tipo de criminosos, em qualquer parte do mundo.

O que me impressiona mais – nunca tive uma explicação satisfatória para essa curiosidade – é o destino de tanta terra que é tirada de uma cela e ninguém vê. Quinze metros de túnel é terra para encher uma caçamba. Como é possível esconder um trabalho dessa natureza, com tantos guardas em volta? Mesmo retirando aos poucos, aos punhados, na marmita, por semanas e semanas, em algum lugar ela deve ser despejada. Pela frequência com que se repetem as fugas, conclui-se que é fácil esse transporte. Abre-se inquérito para investigar se houve facilitação e encontrar os responsáveis, mas ninguém fala da terra que é deslocada. A falta de inteligência é minha, em não saber como tirar essa terra sem ser descoberto.

No famoso caso do túnel para assaltar o Banco Central do Brasil, em Fortaleza, a terra foi retirada em sacos levados por carros, durante os três meses que duraram as escavações. E a casa que serviu de apoio para a operação ficou com os quartos lotados de sacos de terra.

Sabe-se que, na Guerra do Vietnã, os túneis foram usados com perfeição para atordoar os soldados americanos que ficavam sem entender como os vietcongues desapareciam de repente.

Sempre que leio uma notícia de fuga, fico imaginando como deve estar o subsolo da nossa penitenciária, cheio de vielas para todos os lados. Vem-me à lembrança, também, a obra de Dostoievski, Memórias do subsolo, sobre o período em que passou preso, na Sibéria. Se tivesse em Pedrinhas, a palavra subsolo não seria empregada como metáfora, mas, sim, como realidade.

A sociedade pode sentir-se insegura, sabendo da fragilidade das prisões que abrigam apenados que representam perigo para a estabilidade social, como é o caso de estupradores e assaltantes contumazes. Esse é um outro aspecto que reclama uma discussão mais profunda. Por enquanto, só me atenho à facilidade com que se cava um túnel em nossa penitenciária. Talvez fosse o caso de analisar o QI dos presos. Quem sabe não são detentores de mentes brilhantes, que sabem planejar um túnel como poucos.

Para pôr uma pitada de sal nesta crônica e despertar polêmica, pergunto de propósito: fugir é direito do preso?

Antes de responder, imagine-se, por um momento, dentro de uma cela superlotada, sem nada para fazer, com a cabeça fervendo de projetos, parado, enquanto a vida lá fora corre desembestada. O que fazer para recuperar sua liberdade? Só os passarinhos presos em gaiolas cantam para esquecer a dor da prisão. Os homens, mesmo como transgressores da ordem, não se conformam com a punição que lhes foi imposta. É ao Estado que cabe assegurar o cumprimento da lei e da determinação judicial.

Para Foucault, a prisão é a maior violência do Estado sobre a pessoa. Não se pode esperar de quem está privado de sua liberdade um comportamento apático. As mentes inquietas (geralmente os criminosos têm mente inquieta) não se conformam com um espaço tão exíguo e escuro de uma prisão. E aí surge a busca pela liberdade, por qualquer meio; de preferência, por um túnel.



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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