Matou a famí­lia e foi à escola

Parece o nome de um filme, mas não é. Também não é ficção. A tragédia aconteceu em São Paulo e resultou na morte de cinco pessoas. Marcelo, um menor de treze anos de idade, matou os pais, a avó, a tia e, depois, suicidou-se.

Esse é o tipo de fato que fornece muitos elementos para o debate entre psiquiatras, psicólogos, educadores e criminalistas. Como não me enquadro em nenhuma dessas categorias, arriscarei minha análise de leigo.

O que motivou Marcelo, um garoto de treze anos, a matar os pais? E o suicídio, em seguida, veio com o arrependimento ou foi planejado?

Se o homem é ele e suas circunstâncias, como afirmou Ortega y Gasset, temos que considerar o ambiente familiar e social de Marcelo para tentarmos compreender o que aconteceu, se é que é possível compreender uma tragédia desse porte.

O garoto vivia arrodeado de armas e foi crescendo num ambiente policialesco: os pais eram policiais e viviam armados, as conversas diárias giravam em torno de crimes, aventuras, suspenses, heroísmo. Na casa em que viveu, tudo era impregnado de ação. Encontraram armas para todos os lados. Até a avó tinha um revólver. E ele sabia atirar, arte que aprendeu com o pai.

A essas histórias do seu dia a dia, juntou-se a chegada da puberdade e suas crises. Os jogos violentos de videogame, a busca de novidades que prendessem sua atenção ou atendessem sua ansiedade pelo desconhecido, tudo isso pode ter impulsionado Marcelo a viver uma nova experiência. Ser portador de uma doença incurável complicou mais o processo de formação de sua personalidade, em fase inicial.

Há pouco tempo, ao falar da opção das famílias modernas que decidem não ter filhos, lembrei da frequência com que os filhos têm matado os pais nos últimos tempos. São tragédias que se repetem a todo momento.

O que está acontecendo com a sociedade? Será que a família perdeu o controle sobre os filhos? Será que a democracia interna, nos grupos familiares, está gerando esses anarquistas assassinos à busca de sensações cada vez mais fortes? A exacerbação da violência tem nos levado a concluir que tudo, agora, é possível acontecer. É uma característica dos novos tempos a velocidade com que as coisas acontecem.

Psiquiatras e educadores devem estar desenvolvendo todos os tipos de teoria para explicarem o gesto desse garoto. Existem mais perguntas do que respostas. O mistério vai encobrir o fato, principalmente porque o suicídio – esse grande enigma que desafia os filósofos – absorveu os crimes praticados pelo menor. Ele fechou seu curto itinerário de serial killer com a própria morte, num ápice de desprezo pela vida, como a dizer: matei porque a vida não vale nada; e para provar isso, também cuidei em pôr fim à minha própria vida. Por se tratar de um menino inteligente, poderia ter recitado Fernando Pessoa, entre uma morte e outra: Nunca supus que isto que chamam morte/ Tivesse qualquer espécie de sentido... E como um Ivan Karamazov precoce, pode ter concluído: se a vida não vale nada, tudo é possível. De repente, algum especialista pode arriscar a tese de que ele matou seus familiares por amor, sabendo que poderia perdê-los a qualquer momento, uma vez que sua saúde era precária. Nesse emaranhado de teorias, tudo pode ser ponderado.

Marcelo cresceu ouvindo os pais contarem suas aventuras contra criminosos de todos os tipos. Eram agentes da lei e da ordem. Mas o criminoso é que despertou a simpatia da sua índole. Ele preferiu ficar do lado das vítimas das ações dos pais, ou seja, os assassinos e perseguidos pela Polícia. Para ele, a figura do matador era mais importante do que a do agente da lei. E sonhou ser um matador profissional.

Segundo declarações divulgadas pela imprensa, o ineditismo desse fato surpreendeu a própria Polícia, mostrando-se como um desafio para sua completa elucidação. Dessa evidência, resulta a conveniência de refletirmos sobre a profundidade desse drama. A natureza humana continua sendo um mistério para todos nós. Aquilo que Terêncio já disse há muitos séculos – nada que é humano me é estranho – mostra-se cada vez mais atual, desesperadamente atual, porque, apesar de brutal, é humano em demasia.

Enquanto não sai o laudo definitivo da Polícia, é bom imaginar como o tio de Marcelo, que não foi ele o autor dessas mortes. E tudo não passaria de mera especulação.

Por: Lourival Serejo
Publicado no jornal O Estado do Maranhão, em 25.8.2013



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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