Em tempo de carnaval, faço uma pausa para falar de palhaços. De certa forma, o tema se concilia com o momento de folia, mas a direção da prosa é diferente: não tem confetes nem serpentina. Venho falar de um palhaço real e de um fictício, da vida e da arte, em seu costumeiro entrelaçamento de imitação, e do ensinamento que ambos nos transmitem.
Quem assistiu ao filme O Palhaço (Brasil, 2011) deve ter captado a profunda lição que se desprende do seu enredo. Em resumo, viu-se ali que o protagonista, o palhaço Pangaré (Selton Mello), filho do palhaço Puro Sangue (Paulo José), companheiro do pai, no picadeiro, de repente entra em crise existencial, sob as inquietações da idade, e quer conquistar o mundo e viver novas experiências. O pai, então, consente seu afastamento do Circo Esperança para que empreenda a busca de sua aspiração interior, mas antes lhe dá esta lição: "Só se faz aquilo que se gosta. O gato bebe leite, o rato come o queijo e eu sou palhaço".
O que aconteceu com o palhaço deprimido? Atirou-se no mundo, passou um tempo fora, encontrou um novo emprego, numa loja de eletrodomésticos, comprou seu ventilador e voltou para o circo. Todo o pessoal se rejubilou com a volta de Benjamin, o Pangaré, que voltou para exercer sua vocação: ser palhaço. Agora, com mais convicção, depois de comprovar que o rato bebe leite, o rato come queijo e ele era palhaço.
Agora leio, pelos jornais, que o deputado federal por São Paulo, Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, ao terminar seu mandato, quer voltar a ser palhaço. E quer voltar o quanto antes, pois está tendo prejuízo econômico e emocional, por não estar exercendo a profissão a que se dedicou a vida inteira. Eu sou artista popular, declara ele. Aqui não dá para eu fazer show.
O deputado Tiririca, como amplamente divulgado, foi o mais votado no país, nas eleições de 2010. Com muito sacrifício, demonstrou que não era analfabeto para ter sua inscrição deferida e revelou-se, na Câmara, um deputado responsável.
Esse fato traz uma conclusão em proveito da qualidade do serviço de qualquer trabalhador, seja na iniciativa privada, seja no setor público: é o comprometimento, o pertencimento, a vocação de ser feliz no trabalho que optou.
Só com esse exercício do prazer de trabalhar de acordo com sua disposição interior é que alguém pode tornar-se um profissional apto a enfrentar os novos desafios do mercado. "Põe quanto és, no mínimo que fazes", como nos ensina Fernando Pessoa, é justamente o exercício dessa identificação.
Nada pior, para uma empresa ou para a Administração, do que a existência de pessoal desmotivado, sem identificação com suas funções. Compromete toda a qualidade do serviço. As empresas, hoje, já dispõem de técnicas de caçadores de talentos que buscam justamente aliar competência com o entusiasmo.
O concurso, no setor público, muitas vezes falha na cooptação do servidor porque se atém apenas no aspecto objetivo. Se fosse possível detectar vocação, seria mais fácil a distribuição de cargos e funções.
Conheço casos de médicos que se destacaram, em cidades do interior, como bons profissionais. Cultivaram a simpatia dos seus pacientes e da sociedade e, nessa onda, foram atirados na vida política. Ao se instalarem na prefeitura, começou o desastre, por estarem numa função para a qual não tinham qualquer afinidade. Fizeram administrações desastrosas e, depois, já desmoralizados, tentaram voltar para a Medicina, mas não encontraram mais o apoio que tinham antes.
E voltando ao Tiririca, seu desprendimento às vaidades do cargo mostra-se exemplar e revela a face séria de um palhaço que sempre soube o que quer e a verdade desta ensinança de Puro Sangue, do filme de Selton Mello: "Só se faz aquilo que se gosta. O gato bebe leite, o rato come o queijo e eu sou palhaço."
Publicada no jornal O Estado do Maranhão, em 10 de fevereiro de 2013.
Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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