Ao terminar a releitura do consagrado romance de Liev Tolstoi, Anna Kariênina (Cosac Naify, 2005, 816 p.), veio-me a ideia de escrever algumas linhas sobre a infidelidade conjugal, com base em algumas obras literárias que exploraram esse tema polêmico e sempre atual.
O adultério é um ato reprovável e punível, em muitas legislações do mundo. No Brasil, só há pouco tempo, deixou de ser crime. A história dos povos antigos, inclusive na Bíblia, está repleta de lições sobre punições de mulheres que romperam com o laço de fidelidade. Apesar das penas cruéis, o pecado continuou e continua sendo praticado com muita frequência.
Como diria meu confrade Agostinho Ramalho, o desejo é incontrolável. Se você fecha as portas, ele foge pelas janelas.
Por uma cultura machista dominante, a infidelidade do homem é mais tolerável do que a da mulher. Raramente se ouve uma piada de mulher traída, enquanto vários sites dedicam espaço às piadas de corno, com os mais variados adjetivos. A sociedade admite como normal a traição do marido e, o que é curioso, muitas mulheres também.
A literatura, como reflexo da vida social, não podia deixar esse tema tão provocante de lado. Grandes escritores exploraram o adultério em contos, romances, poesias e novelas. E quase todos mostraram-se compreensivos com as mulheres adúlteras. Talvez pela preocupação de revelarem o drama íntimo, as angústias que dividem a mulher que optou por transgredir as regras sociais pela força do amor. Destaco, neste espaço, cinco adúlteras que, até hoje, despertaram o interesse na literatura universal: Anna Kariênina, da obra do mesmo nome, de Liev Tolstoi; Ema, do romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert; Constance, do romance de D.W. Lawrence, O amante de Lady Chatterley; Olga, do conto A cigarra, de Tchekov; e
Ana Serguênievna, do conto A dama e o cachorrinho, também de Tchekov.
No cinema, o tema é explorado em várias películas com os mais destacados diretores. Como amostra, lembro apenas As Pontes de Madison (1995), em que aparece a figura de Francesca (Meryl Streep), casada, com dois filhos e que trai o marido, por quatro dias, com um fotógrafo (Robert Kincaid). Sua aventura amorosa foi como um flash, mas a paixão durou a vida inteira, alimentada só de lembranças dos momentos felizes que passou ao lado do amante.
Após a leitura desses livros e ao assistir a esse filme, muitos leitores não deixam de simpatizar com as adúlteras, pelas circunstâncias em que viviam. Seria ideal que falasse de cada uma para o leitor conhecer as particularidades de cada história. Teria que haver uma crônica individual, contemplando a vida distinta das infiéis. Fiz, então, a escolha de deter-me, neste espaço, em apenas duas: Anna Kariênina e Ema Bovary.
O sofrimento que atormentou a vida de Anna Kariênina começou quando ela se apaixonou por um conde jovem e militar, distinto do seu marido, que era um homem grave e um burocrata do governo russo. A recusa do marido traído, em conceder-lhe o divórcio, marginalizou-a da vida social, até levá-la ao suicídio. Ainda bem que uma obstinação dessa não se reproduz mais nos dias de hoje. Para obter-se o divórcio não precisa mais da aquiescência do outro cônjuge. O marido, por mais revoltado que fique com a conduta da mulher, deve conformar-se com a situação e respeitar a opção dela em busca da sua felicidade. Ser feliz não é só uma aspiração, é um direito que está no âmago da dignidade da pessoa humana. Era esse direito que Ema Bovary reclamava para si, querendo uma realização plena de sua vida, aqui e agora. Quem chega a essa conclusão é Vargas Llosa, que dedicou profundo estudo ao romance de Flaubert (A orgia perpétua. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979).
Os críticos são unânimes em considerar Madame Bovary como um romance que revolucionou a literatura, mantendo-se, pela forma e pelo conteúdo, como um livro sempre atual.
Precipitou-se algum leitor em pensar que eu me esqueci da mais debatida adúltera da literatura brasileira: Capitu. A mulher de “olhar oblíquo e dissimulado” que o gênio de Machado de
Assis criou, em sua mais elogiada obra: Dom Casmurro. Posso até dizer que não coloquei na primeira relação porque, até o presente, não se tem certeza se ela traiu ou não Bentinho com seu amigo Escobar, até porque sabemos apenas a versão do marido.
Para efeito de ligá-la ao destino de Anna Kariênina, vamos admitir seu adultério. Nessa condição, não foram menores seus sofrimentos em relação à personagem de Tolstoi. Se não chegou a suicidar-se, amargou até o fim o desprezo do seu primeiro (e único?) amor, morrendo na solidão de terras estranhas. Se Bentinho não a perdoou, o leitor, com certeza, ficou ao seu lado ou foi levado pela “ressaca” dos seus olhos.
Como já disse, as adúlteras sempre contaram com a simpatia dos escritores. Os maridos traídos (os “tufões”, para usar uma linguagem novelesca da atualidade) se conseguissem aquilatar a carência ou o drama das infiéis, talvez até as perdoassem ou as libertassem para viverem o que o coração de cada uma almeja. Pode-se dizer, inspirado em Tolstoi, que todas as adúlteras se parecem na infelicidade dos seus casamentos e dos seus desejos reprimidos.
Em boa hora, hoje não se avalia mais a culpa da mulher ou do homem, no momento do divórcio. Amar tornou-se um exercício de autenticidade, não mais de suportabilidade. O casamento finda com o término do amor, sem preocupação com a sociedade, com a língua da vizinha ou com os rumores depreciativos do local de trabalho.
Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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