O perfume

Esta é uma história que reclama o adjetivo de “impressionante” e deixará o leitor de boca aberta. Não tem a força da ficção de Patrick Süskind, autor do romance O perfume, mas tem o peso de ser uma história real.

Tudo aconteceu na cidade de Cajari, terra dos meus avós maternos, na década de cinquenta.

Para quem não conhece, Cajari, antes de 1948, quando adquiriu sua autonomia política,  chamava-se de Barro Vermelho. É com esse nome que aparece no romance de João Mohana, O outro caminho.

O primeiro prefeito eleito de Cajari foi Manoel Clodomir Serejo, conhecido como Mimi Serejo. Era um político estimado por seus eleitores. Aliado ao deputado Afonso Matos, conseguiu a autonomia política daquela localidade. Manoel Clodomir era primo e cunhado do meu avô Dico Serejo.

 Mimi Serejo despertava atenção pelo apuro com que se vestia e pelo gosto de sempre andar perfumado. Vestido num terno de linho branco, usando um perfume provocante, ele garantia sua aceitação entre as mulheres, solteiras e casadas, sendo reconhecido como grande conquistador.   

Certo dia, ao sair da casa de um amigo, deixou ali o ambiente inundado pelo aroma que exalava do perfume que usava. Logo em seguida, entrou uma moça de quinze anos, filha de um indivíduo chamado Leocádio, que morava nas proximidades da cidade. A jovem ficou inebriada com a frangrância e perguntou ao dono da casa a origem daquele cheiro. É do perfume de Mimi Serejo, disse-lhe ele. Com a vocação de alcoviteiro, perguntou logo: Tu não queres um vidro desse perfume? Eu posso pedir a ele que te mande um vidro. Evidente que ela aceitou a proposta.

Ao tomar conhecimento do desejo da moça, Mimi Serejo apressou-se em mandar um frasco do perfume para aquela jovem, dizendo ao mensageiro que desse a ela sem interesse, pois aquilo era uma chave de cadeia.

Por obra de outro intrigador, Leocádio ficou sabendo daquela história e pediu o vidro do perfume para a filha. Ele embalou o frasco e pendurou na cerca do seu quintal, dizendo que aquele perfume estava enfeitiçado. Depois, enterrou o vidro no quintal e jurou que não sossegaria enquanto não se vingasse do prefeito porque havia ofendido a honra da sua família. Leocádio era um trabalhador antônomo, que veio do Piauí para o Maranhão,  viúvo, e que vivia com suas duas filhas. Era um negro graúdo e tinha o apelido de Lapada, mas a mãe dele tinha nome de nobreza: Cavalcante de Albuquerque.

Após o juramento, Leocádio providenciou a venda de seus bens e a mudança de suas filhas para outra cidade. Ao sair exclamou: Vou e volto. No meu regresso, Cajari chora. Realmente voltou, impelido por uma força que não controlava mais.

No anoitecer do dia 1º de outubro de 1952, o prefeito Mimi estava em seu sítio, próximo à cidade, sentado à mesa do jantar, quando recebeu  um tiro de espingarda, desferido por Leocádio, que estava de tocaia no mato, há muito tempo. Ele esperou o prefeito começar a refeição, sob sua mira, até decidir puxar o gatilho. O tiro atingiu a cabeça da vítima.

A morte de Mimi Serejo deixou a cidade sem o seu líder e sem a fragrância que ele espargia pelas suas ruas, a passeio ou a caminho da prefeitura.

Leocádio foi preso e deu os detalhes da sua motivação: a desonra que o presente provocara à sua família, um extrato enfeitiçado que pretendia transtornar a cabeça de sua filha Deusima, tornando-a submissa aos desejos do conquistador.

Deusima (não é Deusimar) acompanhou toda a movimentação do pai, sem dizer nada, mas acreditou na versão dele: de que o perfume estava enfeitiçado, pois, ao usá-lo, sentiu fortes dores de cabeça.

Após sua prisão, o assassino foi levado para Viana, onde, por muito tempo, limpou as ruas daquela cidade, sob a mira de um fuzil. Depois, foi trazido para São Luís. Após uns meses, retornou a Viana para aguardar o julgamento, que nunca aconteceu.

Posteriormente, aprendeu o ofício de barbeiro. Mesmo oficialmente preso, gozava do favor das autoridades para transitar pela cidade e trabalhar em sua barbearia.

Cansado de tanto esperar, ainda que usufruindo de liberdade relativa, mas com medo do julgamento e da volta para São Luís, fugiu. Dizem que foi assassinado pelas bandas de Guimarães.

O subtítulo da obra de Patrick Süskind é “a história de um assassino”. Para este drama, qual seria o subtítulo ideal? A história da vítima? Do assassinado? Deixo para o leitor esse encargo de encontrar o subtítulo adequado.

O prefeito estava inocente nessa história toda, disseram uns analistas dos cantos de rua, seus aliados políticos. Para outros, os adversários, nem tanto. Mas o crime, por unanimidade, foi reprovado pela população. E a verdade é que, por chamar-se Miragem, o perfume foi capaz de produzir um efeito além de visões, sonhos, fantasias e enganos que a essência e o nome prometiam. Foi capaz de provocar a morte de um homem que se julgava invencível, na política e no amor.

Publicada no jornal O Estado do Maranhão, em 9 de dezembro de 2012.
 

Lourival Serejo

 



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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