Em artigo anterior, procurei demonstrar uma ligação entre Aluísio Azevedo e Mario Vargas Llosa. Neste breve trabalho, busco o mesmo propósito entre Aluísio Azevedo e o escritor português Lobo Antunes.
António Lobo Antunes é considerado pela crítica internacional como um dos melhores escritores da língua portuguesa. Abandonou a medicina para dedicar-se exclusivamente à literatura, impulsionado pelo sucesso do seu primeiro romance, Memória de elefante. Dentre seus livros publicados, destacam-se: Exortação aos crocodilos; Auto dos danados; O manual dos inquisidores; Fado alexandrino e Os cus de judas. Seu último livro tem este provocativo título: Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?
Da mesma maneira que não pretendi comparar Vargas Llosa com Aluísio Azevedo, não me proponho aqui a alinhavar uma comparação entre Aluísio Azevedo e Lobo Antunes. São dois escritores separados pelo tempo, pelo estilo e pelas técnicas utilizadas em suas obras. Talvez se encontre como possível equiparação entre ambos a preocupação com os detalhes humanos das relações sociais, familiares e os conflitos coletivos. Lobo Antunes preocupou-se em retratar, nas suas obras, as consequências que as guerras nas colônias portuguesas provocaram, deixando a mutilação física e moral em grande número de pessoas. Aluísio Azevedo, por sua vez, foi o primeiro escritor brasileiro a expor o drama dos cortiços de forma tão real e inusitada que surpreendeu seus críticos pela sua ousadia na concepção de um romance com destaque para as questões sociais. Além desse tema, expôs o lado perverso do preconceito racial, as mazelas do clero e, sem ser médico, como Lobo Antunes, enveredou pelos meandros obscuros da histeria e outras perturbações nervosas que acometiam suas personagens femininas.
O ponto motivador que me levou a esta análise foi a declaração que Lobo Antunes fez, em sua visita a Paraty, local em que se realizou a 7ª FLIP, sobre sua relação com o Brasil. Nessa entrevista, Lobo Antunes, indagado sobre os autores brasileiros do seu conhecimento, destacou Machado de Assis e Aluísio Azevedo. Sobre este, diz ter lido, em sua adolescência, o romance “Casa de Pensão”, que muito o impressionou por suas cenas eróticas, causando-lhe grande surpresa (cf. Folha de São Paulo, 4.7.09, Ilustrada, p. 6). Em outras entrevistas, mencionou as leituras de José de Alencar, Raul Pompéia, João Ubaldo Ribeiro e Jorge Amado.
Casa de Pensão é o quinto romance de Aluísio Azevedo. Publicado em 1883, obteve imediato sucesso no mundo literário e entre seus leitores que, àquela época, já eram em número considerável.
A figura central do romance é o jovem Amâncio, estudante de medicina, vindo do Maranhão, que vivia no Rio de Janeiro esbanjando dinheiro, em aventuras amorosas e farras com seus amigos.
Nesse romance, apontado pela crítica como o mais equilibrado e mais representativo das qualidades do escritor[1], Aluísio Azevedo explora os limites e as consequências das paixões humanas. A maturidade do escritor já estava formada, para produzir uma obra acima das conveniências dos folhetins. Ao lado de O mulato (1881) e O cortiço (1890), Casa de pensão forma as três culminâncias dos romances de Aluísio Azevedo.
Em Casa de pensão desfilam os caracteres representativos da sociedade carioca e da espécie humana, com suas ambições, seus vícios e seus destinos: Amâncio, Madame Brizard, Paula Mendes, Doutor Tavares, Lúcia, Luís Campos, Hortênsia, Vasconcelos, Ângela, Paiva Rocha, João Coqueiro, Amélia, Salustiano Simões e Nini.
Além dessas marcas individuais, o autor ainda retrata as paixões coletivas, o arrebatamento dos estudantes, a emoção da multidão e a vibração da sociedade em defesa ou em oposição ao drama dos crimes passionais.
As cenas eróticas que tanto impressionaram Lobo Antunes são tratadas pelo autor com os limites do então permitido, mas expondo a ousadia com que o Naturalismo permitia que se tratasse desses assuntos. Encontram-se tais cenas nas conjecturas de Amâncio sobre o amor de Hortênsia (Que atitude tomaria a bela mulher nos momentos supremos de ventura? Quais seriam as suas palavras, as frases do seu delírio?), na sedução de Lúcia e Amélia, em suas incursões noturnas e sôfregas para conquistar essas mulheres, todas moradoras da pensão em que morava.
Como Aluísio Azevedo nunca teve uma residência sua, vivia de pensão em pensão, conhecia muito bem a intimidade dessas casas e os tipos que as frequentavam. A essa experiência, juntou-se a imaginação do escritor para produzir uma obra de peso na literatura brasileira.
Não foi à toa, portanto, que Lobo Antunes impressionou-se com Casa de Pensão, pois nele está refletido o melhor do talento do romancista Aluísio Azevedo.
[1] TEIXEIRA, Maria de Lourdes. Introdução. In: Azevedo, Aluísio. Casa de pensão. São Paulo: Livraria Martins, 1961.
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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