A dinamicidade das relações familiares provoca sempre algo de surpreendente, deixando os estudiosos do direito de família muitas vezes perplexos diante de certos fatos.
A própria tendência da natureza humana contribui para essa mutação constante das relações familiares. Em particular, a evolução da família tradicional, singularmente caracterizada, passou por diversas fases até expressar-se sob várias modalidades de agrupamentos familiares. Hoje, com mais precisão, fala-se em famílias, no plural, para tentar abranger, inclusive, situações familiares que escaparam à previsão do legislador.
Exemplo sugestivo da característica das relações familiares é o da família virtual, que me surpreendeu a ponto de provocar-me a escrever estas linhas.
Em edição de 20 de outubro de 2007, o jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria com o seguinte título: “Casais estéreis ´criam`seus filhos no mundo virtual do Second Life.”
A notícia dava conta de que uma moradora de Campinas (SP) é casada e não pode ter filhos, por problemas de sua constituição física e do marido. Pela vontade de ser mãe, resolveu criar dois filhos, no mundo virtual do Second Life, Petif, com seis anos, e Neném, com quatro anos. A declaração da mãe virtual realmente é tocante: “Mimamos os filhos, damos carinho, protegemos, e educamos.”
O Second Life é uma comunidade na internet que simula o mundo real em que as pessoas vivem uma segunda existência. Literalmente traduzido como “segunda vida” esse jogo é, ao mesmo tempo, um site de relacionamento, com personagens, chamadas de avatares, em que há uma intensa interatividade. Há pessoas que passam mais de sete horas por dia interagindo por meio de seus avatares, tratandoos como amigos, inimigos, vestindo-os, namorando-os etc. Os jogadores, na prática, criam um alter ego virtual.
Muitos dos participantes tornam-se proprietários de lojas em que são vendidos os produtos mais sofisticados, com lucros consideráveis. Ali circula uma moeda (linden dólar) e os moradores fazem negócios. Inclusive os lucros dessas trocas podem ser trocadas por dinheiro de verdade. Até terrenos são vendidos nos bairros mais valorizados das capitais brasileiras. Segundo pesquisa feita na internet, já houve caso de uma chinesa (Anshe Chung) que chegou a ganhar um milhão de dólares verdadeiros só com a venda de imóveis virtuais.1
Duas novas notícias aumentaram ainda mais minha atenção para o surgimento dessa família em três dimensões. Na Inglaterra, uma mulher pediu divórcio depois de descobrir que seu marido a traiu, no Second Life, com uma mulher (avatar).
Amy Taylor, assim se chama ela, flagrou seu marido, David Pollard, em atos sexuais com uma personagem virtual. Não suportou a traição e resolveu pôr fim em um casamento de três anos.2
Outra notícia, fora do mundo do Second Life, dá conta da determinação do japonês Taichi Takashita em querer casar com uma personagem de desenho animado. Para justificar seu intento, indaga: “Por que não criar uma autorização legal para o casamento com personagens bidimensionais?”3
A família virtual que se constitui pelo Second Life é uma possibilidade inusitada do mundo moderno que se origina na carência de afeto e da solidão em que se encontra o usuário desse ambiente. Nesse vácuo existencial só lhe resta o consolo de criar uma família, com marido/mulher e filhos para exercer sua vocação de mãe/pai.
A força que emana desse artifício virtual e envolve o usuário é tão grande a ponto de despertar-lhe sentimento pelo avatar de sua criação, que pode ser um filho ou um companheiro/companheira.
A família virtual tornou-se, então, uma realidade para o usuário do Second Life e, desse modo, um campo de realização pessoal, de conforto, de exercício de afetividade reprimida de alguém, carente de contato íntimo com o outro.
É uma nova família, não há dúvida, para lá da Terceira Onda.
1Colhido em: http://www.veja.abril.com.br/221106/p_090.html
2Colhido em: http://jbonline.terra.com.br/extra/2008/11/14/e141123555.html
3Colhido em: http:/mail.google.com/mail/?tf=1&ui=dacbd834a2&view=pt&search-inbox&t
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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