SANGUE NA BAIA DA GUANABARA

Um amigo meu, já falecido, vergado no galho extremo da direita, tinha um plano mirabolante para acabar com a criminalidade no Rio de Janeiro. A ideia absurda consistia em o Brasil combinar com o Paraguai uma guerra simulada. Então, colocaria os líderes das facções criminosas do Rio de Janeiro e seus comparsas à frente das batalhas, todos com patentes do exército nacional. O efeito esperado, segundo sua mente, era de que todos seriam mortos. E o crime acabaria na Cidade Maravilhosa.

Sem muito esforço, percebe-se que o cerne do entendimento do meu amigo era de que bandido bom é bandido morto.

Numa visão crítica, as execuções ocorridas agora no Rio de Janeiro tiveram como inspiração a mesma convicção que dominava meu amigo.

Observa-se, fazendo uma análise mais profunda, que o Estado assiste com leniência ao fortalecimento do crime organizado e, depois, quer eliminar o problema eliminando sumariamente os protagonistas. O que ocorreu ali foi a aplicação da pena de morte decretada à revelia de todo o sistema jurídico nacional. Alguém já falou até em genocídio dos pobres.

Aposto que o responsável por essa medida extrema está recebendo elogios pela sua coragem de ter autorizado a desastrada operação nas matas do complexo Penha/Alemão. Como efeito prático imediato, deu uma resposta pronta e acabada aos defensores do extermínio.

Ora, matar sumariamente mais de centenas de pessoas envolvidas na prática de um elenco de crimes deve merecer o repúdio de todo cidadão que tenha o mínimo de consciência da existência dos direitos fundamentais em nossa Constituição a proteger quem quer que seja, desde que pertença à espécie gente.

Ainda há quem afirme que não se deve falar em direitos humanos quando se trata de criminosos. Em pleno século XXI, não se admite mais uma postura refratária desse tipo, a menos que estejamos diante de uma ditadura da extrema-direita, como ocorreu recentemente nas Filipinas, onde o presidente Rodrigo Duterte mandou fuzilar todos os criminosos que fossem encontrados pelas ruas.

O grau de letalidade da ação policial no Rio de Janeiro foge de toda política de combate ao crime organizado. Combater o crime, praticando outro crime é uma atitude desprezada pela ciência penal que, desde Cesare Lombroso, vem evoluindo para a diminuição das penas.

Apropriado se torna, ao concluir esta breve crônica, invocar Guerra Junqueira quando disse, em um dos seus poemas, que adotar a pena de morte é jogar o direito aos pés da guilhotina. No caso do Rio de Janeiro, atingiu-se o direito com tiros de fuzis e metralhadoras. E as vidas não importaram.



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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