O ESPÍRITO AMERICANO

     Há poucas semanas, uma notícia surpreendeu os Estados Unidos e o mundo. Um homem, em Nova York, matou o presidente da maior empresa americana de seguros, o bilionário Brian Thompson.

     Premeditadamente, ele o esperou na saída do hotel Hilton, em que estava havendo um congresso de empresas de seguros, e o matou com três tiros. A seguir, o criminoso fugiu numa bicicleta.

     O detalhe curioso que ficou do ato criminoso é que as balas estavam gravadas com os nomes “deny” (negar), “defend” (defender) e “depose” (destituir). Como acontece, várias especulações surgiram para interpretarem essas supostas mensagens.

     Dias depois, o assassino foi preso, na Pensilvânia. A identificação policial revelou que se tratava de Luigi Mangione, com 26 anos de idade, filho de uma rica família de Baltimore. Sua vida pregressa revelava que se tratava de uma pessoa cordial, muito inteligente, com curso superior, levando uma vida regular, com amigos e trabalho, tendo à sua frente um futuro seguro.

     Que curiosidade despontou desse crime? Afinal, a cronologia policial americana é repleta de crimes iguais a esse. O que, então, surpreendeu?

     Aconteceu que, após a prisão de Luigi, revelada a sua identidade e com a notícia de que o crime teria sido praticado para protestar contra a exploração e a burocracia excessiva dos planos de saúde, nos Estados Unidos, o criminoso foi consagrado como um herói, por grande parte da população. Os novos fãs passaram a vestir-se com blusões azuis, igual ao que ele usava, e logo fizeram uma campanha para conseguir dinheiro para o novo ídolo pagar suas despesas.

     Essa reação do público americano também não é inédita. Já houve outros criminosos famosos, como os irmãos Menendez, que despertaram essa paixão no grande público. O que não falta nos Estados Unidos são ações próprias de uma sociedade saturada com o cotidiano.

     Nesse caso, a conduta dos americanos é condizente com suas práticas radicais de protestar contra condutas que consideram injustas, ou denunciá-las, praticando ações de justiceiros. Às vezes, se expressam inclusive nos votos em favor de candidatos excêntricos. Os apoiadores de Luigi firmaram-se na versão de que o criminoso pretendeu fazer justiça contra a extorsão dos planos de saúde, o poder econômico e o desequilíbrio social daquela nação.

     Para um criminoso consagrar-se popularmente basta que ele tenha uma história para contar e vire seriado na Netflix. Aqui, no Brasil, o caso mais recente é do “maníaco do parque”, que ganhou um filme para contar sua trajetória de vida e seu “modus operandi”, como aprecia dizer a autoridade policial. São vários os exemplos dessa natureza.

     A conclusão que se pode tirar dessa formação de fãs em torno da pessoa de um criminoso, como no caso do Luigi, é que, para tornar-se um ícone hoje em dia, não é preciso praticar boas ações, mas sim ações extremas, que se coadunam com a ânsia desordenada de uma sociedade vivendo em surtos de metamorfose, na era dos extremos, tão bem analisada por Eric Hobsbawm.

 

     Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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