QUEM MATOU MEU PAI

     Cedi à convocação midiática e busquei a leitura de um escritor francês jovem que está fazendo muito sucesso: Édouard Louis. Autor de vários livros, com traduções em muitos países, projetou-se como o escritor do momento, tanto na França como em outros países em que seus livros já foram traduzidos. Escolhi o livro, aliás, um livrinho de sua autoria, com apenas 70 páginas, intitulado Quem matou meu pai.

     Fiquei admirado com a leitura, pela abordagem que o autor fez, pelo estilo e pela inovação do tema.

     Como a narrativa escolhida pelo autor foi a epistolar, à proporção que ia lendo lembrei-me da Carta ao pai, de Franz Kafka. O enredo guarda algumas semelhanças com a carta kafkiana, sobretudo quando são invocadas lembranças desde a infância do autor, as reações e o relacionamento com o pai (“um pai e um filho estão a alguns metros um do outro num grande espaço, vasto e vazio”), a quem são dirigidas suas palavras, além de retratar o ambiente familiar em que viveu, juntamente com a mãe e seus irmãos. 

     O ponto mais chocante do livrinho é a questão levantada pelo autor sobre quem matou o seu pai. Depois de historiar toda a vida de sofrimento do seu genitor, do estado de invalidez a que foi reduzido, após sofrer um acidente na fábrica em trabalhava, aborda as políticas públicas e sociais dos últimos governos da França, até o atual presidente Emmanuel Macron.

     A conclusão do autor é a mais radical possível. Para ele a vida do seu pai foi determinada pela política. Até a educação defeituosa que lhe deu, humilhando-o desde criança por ser gay, era consequência da falta de condições sociais que o Estado lhe negou. Ele nunca teria vivido a vida que teve, como esclarece ao pai nestes termos: “A história do seu corpo acusa (grifo do autor) a história política.” Para os poderosos, diz ele, a política é uma questão estética, enquanto para os pobres significa viver ou morrer.

     Essa afirmação fez-me lembrar de uma frase de Napoleão que sempre invoco quando falo aos jovens sobre eleições, política e democracia: “A política é uma coisa tão séria, que se você não se importar com ela, ela se importará com você.” Daí a ignorância dos que anulam votos ou votam em branco como protesto contra os políticos.

      A falta de iniciativas políticas voltadas para o social e pela garantia de um mínimo existencial para todos favorece a divisão da sociedade entre ricos e pobres, numa escala que aumenta a cada dia. Vejam o exemplo da dificuldade de Obama para implantar uma política de saúde que alcançasse as pessoas de baixa renda nos Estados Unidos.

     Aqui, no Brasil, sem os programas que garantiram aposentadoria aos idosos, neles incluídos os lavradores, teríamos um enxame de pessoas nessa faixa etária pedindo esmolas pelas ruas das cidades.

     Por mais alarmante que pareça a conclusão de Éduard Louis – “a história do seu corpo acusa a história política” –, ao ler seu libelo acusatório, acaba-se concordando com ele sobre quem matou seu pai. Lamentavelmente, o neoliberalismo e a ganância do mercado estão levando governos a desconsiderarem o fator humano como prioridade.

     Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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