Mais uma vez, a CNBB escolhe a fome como tema de sua Campanha da Fraternidade para a Quaresma de 2023. Não obstante as denúncias, os movimentos, os gritos, as mortes, a fome continua a se fazer presente em todo o mundo.
Há de se observar que a fome não é um fator isolado. Suas circunstâncias alcançam a pobreza, a desigualdade e falta de políticas públicas voltadas para sua erradicação, além de muitos outros motivos.
Pelo nível de desenvolvimento da humanidade e pela produção de alimentos (naturais e industrializados) é que o escritor israelense Yuval Harari, autor do best-seller Uma breve história da humanidade, diz que a fome, hoje, é uma questão política. Depende da vontade política dos governos. Vejam o exemplo de Cuba. A fome que hoje grassa naquele país decorre de um bloqueio econômico estúpido deflagrado pelos Estados Unidos há mais de sessenta anos. Como se explica que um país como a Venezuela, com uma reserva petrolífera altíssima, venha a registrar o aumento da fome de sua população pobre?
A pandemia da Covid-19 escancarou a pobreza de forma assustadora e com ela a fome que se instalou em milhões de lares e nas ruas.
O analfabetismo, o desemprego, a desigualdade e o subdesenvolvimento, em geral, são aspectos indiscutíveis da pobreza e, consequentemente, da fome no mundo inteiro. Quem primeiro alertou o Brasil sobre esse fenômeno foi Josué de Castro, em seu clássico livro Geografia da fome. Em 1946, ao sair a primeira edição dessa obra, era tão evitado e desconhecido esse tema que ele inicia o prefácio dizendo: “O assunto deste livro é bastante delicado e perigoso”. Como se fosse um subtítulo, o autor destaca: “o dilema brasileiro: pão ou aço.” Hoje, lugar do aço, inúmeros fatores se levantaram.
Atualmente, em nosso país, o número de moradores de ruas nas capitais é o espelho da fome. O desequilíbrio social criou uma nova espécie de pessoas: o homem em situação de rua.
Ainda em nossa pátria amada, assistimos estarrecidos o cenário das mortes dos Yanomamis por desnutrição, a ponto de levantar-se a hipótese de um genocídio. Em outros cantos do país, os médicos têm constatado a manifestação silenciosa da desnutrição nas crianças com crescimento abaixo do normal.
Para abordar, com profundidade, a temática da fome, seriam necessários inúmeros debates, pois são muitas as vertentes desse estado permanente de calamidade.
Muito a propósito, finalizo estes comentários invocando o poeta Ernesto Cardenal, sacerdote em Nicarágua, que dedicou sua vida em favor da promoção do homem:
Sente-se a fome com o tempo. Como
quem não come nos três tempos do dia.
No espaço-tempo somos
como essas crianças dormindo na rua
enroladas em jornais na grade cidade
com fome e frio.
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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