NASCE UMA NOVA CLASSE SOCIAL: OS SEM-DENTES

     Os censos do IBGE fazem um serviço de tamanha importância para o Brasil que merecia ser mais bem reconhecido. Alguns chegam até a criticá-los ou repudiá-los, principalmente quando expõem o tamanho das feridas. É uma pena que a verdade, às vezes, venha a doer. Não sabem que sem dados estatísticos navegaríamos em todas as direções, sem elementos para os planejamentos de ordem pública.

     Fiquei estarrecido ao ler, semana passada, os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada pelo IBGE, que revelou ao Brasil a existência de uma nova classe social: os sem-dentes. Essa população, segundo os dados, chega a 16 milhões de brasileiros (11% da população), sendo que 39 milhões usam prótese e 23% já perderam até 13 dentes. Das pessoas com mais 60 anos, 41,5% já perderam todos os dentes. Nessa categoria de pessoas, sobressaem-se os analfabetos e os detentores do ensino fundamental.

     As consequências desse estado de coisas são lamentáveis, provocando, segundo informaram os próprios desdentados: sentimento de que ficaram mais feios, atrapalho nos namoros, timidez para fazer amigos, insegurança, retraimento para irem às festas, dificuldade de pronunciarem certas palavras.

     O resultado é que a autoestima dessas pessoas fica num nível muito baixo, sem apoio para afirmarem suas dignidades. E a qualidade de vida? Como pode-se falar em qualidade de vida para alguém que tem seu sorriso inibido por falta de dentes, que não pode beijar, que não mastiga bem os alimentos?

     Tornou-se uma prática corriqueira, em períodos eleitorais, principalmente em eleições municipais, alguns candidatos se municiarem de uma sacola de dentaduras, previamente encomendadas a dentistas práticos. Quando o eleitor cobra do candidato uma dentadura, ele apresenta a sacola e o desdentado fica experimentando uma a uma, até encontrar alguma adaptável ao seu molde. Difícil acreditar que exista isso!

     É preciso entender que a existência dessas pessoas sem a dentição original é uma marca de subdesenvolvimento, falta de políticas públicas voltadas para a promoção humana, de descaso pela saúde integral do homem. Dezesseis milhões de pessoas sem dentes! A população da cidade de São Paulo.

     Sabe-se que a qualificação dos profissionais da saúde bucal, no Brasil, é elevada. Mas é um serviço caro, inacessível economicamente à maioria da população. A referida pesquisa constatou, ainda, que 74% dos atendimentos de saúde bucal ocorrem na rede privada. Alguém já ouviu falar de um programa de governo voltado para atender a saúde bucal das pessoas carentes? Haverá odontólogos suficientes e acessíveis para atender esses 16 milhões de brasileiros que estão sem dentes e outros 16 milhões que estão na iminência de perdê-los?

     A propósito desse assunto, lembrei-me de que, certa vez, estava numa fila não sei de quê e um senhor, atrás de mim, falava pelo celular com alguém que parecia bem distante. Ao fim da conversa, com a voz de quem estava sorrindo, disse para seu interlocutor, do outro lado da linha: Avisa pra Rita que estou esperando ela com unhas e dentes. Nesse instante, virei para ele, que ainda sorria, e percebi que ele não tinha dentes na frente. Então, me associei ao seu sorriso desdentado.

     Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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