Anne Ernaux foi a ganhadora do Prêmio Nobel de literatura de 2022. Consagrou-se, então, como a primeira mulher francesa a receber essa premiação. Aos 82 anos de idade, esse prêmio marcou o coroamento de sua carreira como escritora, iniciada em 1974, quando publicou seu primeiro livro.
Antes de ser anunciado seu nome, a editora Fósforo já havia lançado seus livros no Brasil: Os anos, O lugar, O acontecimento, O jovem, A vergonha.
Em Paraty, na Flip passada, tive a oportunidade de ouvi-la. Apesar da idade, mostrou-se uma mulher firme e saudável.
Anne Ernaux nasceu numa cidade do interior da França, de origem humilde, desde cedo demonstrou ser uma menina esperta e afirmativa. Não admitia discriminações contra as mulheres, tornando-se uma feminista ativa. Chegou a dizer que escrevia para vingar-se dessa mentalidade dos que não reconheciam o valor da mulher.
Escolhi ler, para conhecê-la melhor, o livro Os anos. É um livro fácil de ler e proporciona ao leitor uma compensação pelo tempo que for dedicado a ele.
De que tratam os livros de Anne Arnaux? Com uma linguagem naturalmente forte, ela diz tudo o que sente que deve dizer, sem rodeios, principalmente sobre temas feministas, da luta existencial de uma mulher, ao longo dos tempos, desde sua formação, seu desenvolvimento físico ao intelectual. Por exemplo, no livro O acontecimento, que serviu de inspiração para um filme, ela trata dos dilemas e dos sofrimentos que enfrentou, quando jovem, ao tomar a decisão de fazer um aborto.
Em Os anos, a conotação da narrativa é autobiográfica. A princípio, poderia parecer comum, como escritora, debruçar-se e começar a contar sua vida. Mas não é assim que acontece. E nesse detalhe criativo é que está a grandeza do seu livro memorialístico, marcado por um estilo e uma forma inusitados, com parágrafos completos ou bruscamente interrompidos.
Nessa obra, ela começa analisando as fotos da família, depois passa para os fatos políticos e socais. Assim, aparecem as manchetes dos jornais franceses, maio de 1968, Vietnam, Sartre, Simone de Beauvoir, a pílula anticoncepcional, a luta pelo aborto, os presidentes franceses (De Gaulle, Poher, Georges Pompidou, Valéry Giscard, François Mitterrand, Jacques Chirac, Sarkozy, François Hollande), a guerra pela emancipação da Argélia, e tantos outros temas, até a explosão das torres do Word Trade Center. Todos narrados sem estar fazendo história, mas as circunstâncias em que pessoas como ela estavam se movimentando nesses anos.
Sobre 1968, sua narrativa é impressionante porque ela foi uma das protagonistas de todo aquele despertar dos jovens para a sexualidade, para a afirmação ideológica, para as denúncias das injustiças que estavam sendo praticadas no mundo e para as filosofias que despontavam nas vozes de Camus, Sartre, Abbè Pierre. A disposição de romper com todas as regras moveu aqueles jovens de calça jeans a arrancarem os paralelepípedos das ruas de Paris e gritarem ao mundo suas hipocrisias e desigualdades.
Em algum momento do livro ela diz: “O tempo das coisas nos sugava e nos obrigava a viver sem pausa com dois meses de antecedência”.
O que torna o livro de Arnaux ainda mais cativante é que, na extensão, é a biografia de uma era, em especial alcance de 1968 a 2000. Ela insere a evolução de uma menina, de uma adolescente, de uma jovem e de uma mãe no contexto da França e do mundo, analisando, aplaudindo e apontando as consequências desencadeadas ao longo dos anos, a exemplo do consumismo que adveio, após o mercado oferecer uma série inovadora de produtos extravagantes.
Ao longo de toda a narração, ela não usa o pronome “eu”. Refere-se tão-somente a “ela”, uma menina, depois uma jovem estudante, depois uma mãe, depois uma escritora. Como se a autora estivesse contando a trajetória de vida de uma colega: “o futuro é imenso demais para que ela imagine como será”. Então, começa a detalhar, num estilo surpreendente e em parágrafos soltos, tudo que ela testemunhou em seu período de crescimento. De vez em quando, ela pluraliza a voz da narração para enlaçar outras pessoas.
Anne Arnaux faz-nos sentir o impacto das mortes de Charles De Gaulle e François Mitterrand, dois grandes ídolos dos franceses. Principalmente, para os jovens socialistas, Mitterand, a quem carinhosamente chamavam de “tio”. Depois as mortes de Sartre e a multidão de gente em seu enterro, a morte de Simone de Beauvoir e a morte precoce de Albert Camus.
Ao concluir a leitura de Os anos, compreendemos porque Anne Arnaux ganhou o Prêmio Nobel de 2022.
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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