RELIGIÃO, VOTO E O SATANÁS

 De tantas coisas absurdas que ouvimos nas redes sociais e em conversas com amigos, no último período eleitoral, duas me impressionaram bastante.

     A primeira foi a confissão de um servidor público de que seu pastor o ameaçou de não realizar seu casamento caso ele votasse em fulano. Para esse mesmo jovem pressionado, ele disse que o outro candidato iria trazer o satanás para tomar conta do Brasil.

     A segunda foi um vídeo, de uma suposta entendida em todos os assuntos, criticando a decisão do Tribunal Superior Eleitoral de punir o abuso de autoridade religiosa por retirar a liberdade de escolha do cidadão indefeso. A “professora” falou como se sua religião fosse a monopolizadora de Deus, chegando a dizer que o TSE quer tirar Deus da democracia.

     Ora, esse tema foi levantado pela primeira vez nas eleições de 2016, por ocasião das eleições municipais e foi tratado neste mesmo espaço em uma crônica que reproduzo a seguir, pela sua atualidade.

POTENCIALIDADE LESIVA DO PODER RELIGIOSO

     À primeira vista, quem lê esse título, pensará que se trata de comentários sobre o período em que a Igreja detinha todo o poder religioso, social e político, até mesmo depois da morte. Na leitura de alguns testamentos publicados recentemente pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, encontram-se testamentos em que o testador deixa encomendadas trinta missas de corpo presente. Tudo com medo do inferno.

     Mas o propósito desta crônica é outro: noticiar essa novidade – o abuso do poder religioso – que vem despertando discussões no âmbito do Direito Eleitoral. Como estamos em ano de eleições, vale a pena esclarecer esse fenômeno.

     O Tribunal Superior Eleitoral já teve oportunidade de apreciar um recurso com essa denúncia de abuso de poder religioso. O caso consistiu na celebração de ato religioso, numa cidade de Rondônia, em praça pública, na presença de candidatos, com transmissão para todo o estado. O pastor de uma Igreja evangélica insistia em apresentá-los como seus candidatos, em atitude explícita de propaganda eleitoral. A Corte Eleitoral entendeu que não houve abuso de autoridade, mas acatou a arguição de que a atitude do pastor teve suficiente potencialidade lesiva para influenciar o pleito, devido ao poder de convencimento do pastor no inconsciente dos fiéis. Por essa e por outras infrações, os candidatos e o pastor foram punidos eleitoralmente.

     Outro caso muito mais debatido foi a atitude de um pastor que, em sucessivos cultos, fazia propaganda política subliminar de determinado candidato, cujo número do registro correspondia a de um Salmo. A insistência da autoridade religiosa em citar e repetir o número do Salmo seria um ato de abuso. O número invocado correspondia ao número do candidato a prefeito. Aqui, no Maranhão, ocorreu um fato idêntico a esse: um médico do município e candidato a prefeito anexava às suas receitas o Salmo cujo número era o do seu partido político.

     Esses exemplos demonstram e conceituam, por si sós, o desvio da função do agente religioso.

     A Igreja moderna vem se empenhando no processo de libertação e promoção do homem, contribuindo para formar consciências críticas e éticas.

     Em períodos eleitorais, é recomendável aos sacerdotes contribuir para a orientação dos eleitores, com o objetivo de votarem de forma livre e consciente, sem venderem seus votos.

     Por esse objetivo ético, não é correto um sacerdote ou um pastor partidarizar-se em prol de certas candidaturas e utilizar sua autoridade religiosa para influenciar a opção dos eleitores.

     No momento difícil em que vive nossa República, mais do que nunca, precisamos do voto livre e preocupado com a escolha dos melhores candidatos.

     Muito pertinente e recomendável, neste período, é a leitura do Sermão de Santo Antônio, do padre Antônio Vieira, pronunciado nesta cidade de São Luís, em 1654, no qual exorta os pregadores – aqueles que têm o ofício de sal – para usarem esse poder no combate à corrupção. E não há arma mais eficiente para vencer esse mal do que o voto consciente.

     Feliz Ano Novo!

 

Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
Saiba mais

Contatos

  • email
    contato@lourivalserejo.com.br

Endereço

Desembargador Lourival Serejo