Gorbachev conquistou o mundo com seu sorriso, com sua naturalidade, com sua política de abertura e com aquele mapa inscrito na testa. Agora, com sua morte, relembro do desembaraço desse líder soviético pelos quatro cantos do mundo.
De um pobre trabalhador rural, saiu de Stravopol para dirigir a Rússia e seus 15 satélites. Primeiro, como Secretário-Geral do Partido Comunista; depois como presidente das repúblicas soviéticas.
Sonhou em transformar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS num rosário de repúblicas soberanas, tolerantes às expressões de liberdade de cada povo, mas acabou malogrando e desintegrando o império soviético. Para muitos foi considerado um traidor do comunismo; para outros, foi traído por seus camaradas do Partido.
Gorbachev tentou fazer uma revolução humanista num país acostumado com regimes fortes e mandatários de mãos de ferro. Não resistiu aos efeitos das ondas que produziu – perestroika (reestruturação) e glasnost (transparência) – e acabou sucumbido por e com elas. Incompreendido, foi acusado de falta de liderança e de responsável pelo fim do império das repúblicas soviéticas, deixando essa polêmica interpretativa em sua história de vida. A economia, que ele encontrou esfacelada, não respondeu o suficiente para resistir à crise política que se instalou com a insatisfação popular.
Em sua autobiografia – Minha vida – publicada no Brasil em 2016, com o selo da Amarilys, esclarece Gorbachev sobre os esteios da sua política: “A glasnost é um grande êxito da perestroika. Sob a influência e as condições da glasnost e da liberdade de opinião, aumentada por meio dela, a sociedade pôde se libertar do medo.”
Durante seu governo, de 1985 a 1991, Gorbachev sacudiu a União Soviética e o mundo, com sua ousadia e a desconstrução da política de Leonid Breznev e seus burocratas linha-dura. Derrubou o muro de Berlim, fez a abertura diplomática com o Ocidente, uniu-se a Reagan e acabou com a Guerra Fria, surpreendendo até Thatcher, que dele chegou a dizer: “Sorria, ria-se, utilizava as mãos para transmitir ênfase, modulava a voz (...) e dei comigo a gostar dele.”
Raramente se confere um prêmio Nobel da Paz com tanta legitimidade como o que foi conferido a Mikhail Gorbachev. A liderança e a atuação diplomática do autor da perestroika deixaram ao mundo o legado de uma convivência pacífica, ausente desde o fim da Segunda Guerra. O diálogo entre os dois impérios, que Reagan chamava de o império do bem (EUA) e o império do mal (URSS), marcou um ponto elevado em sua política diplomática.
Duas cenas televisivas impactantes ficaram retidas em minha memória. A primeira, em 1974, na noite da renúncia de Nixon; a segunda, no Natal de 1991, na noite da renúncia de Gorbachev à presidência da URSS. Na verdade, a queda de Gorbachev começou com a tentativa do golpe de agosto de 1991. Depois, surgiu a figura tresloucada de Iéltsin, sempre bêbado, para conduzir a multidão insatisfeita.
Posso concluir, com toda ênfase, que Gorbachev deixou a história de uma singularidade que fez o mundo melhor do que encontrou, ainda que não haja unanimidade nessa conclusão.
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
Saiba mais