Sempre observei a quantidade de casas que se encontram sem reboco, nos bairros e invasões, algumas apenas começadas, outras com um monte de tijolos ao lado, mas, sobretudo, casas levantadas e habitadas sem os últimos acabamentos.
Do aeroporto do Galeão ao centro do Rio de Janeiro, o que mais se vê são casas e mais casas só com tijolos à mostra, despeladas, numa coreografia à espera de um pintor inspirado ou de um cronista qualquer.
Penso, então: o que faltou para concluir o projeto da casa própria, da casa digna? Um pouco mais de dinheiro que as despesas diárias não permitiram poupar, respondo a mim mesmo. Poderiam deixar os tijolos ao menos bem distribuídos e depois pintados. Em Bogotá há milhares de casas não rebocadas, ao estilo inglês. Dizem que é para manter um clima suportável. Acontece que lá é uma opção estética que começa pela forma dos tijolos. Aqui, não, é uma limitação econômica mesmo.
Recentemente, deram-me um livro do escritor argentino Roberto Arlt, até então desconhecido por mim, com o título Águas-fortes portenhas. Águas-fortes cariocas. Qual não foi minha surpresa quando me deparei com a crônica “Casas sem terminar.” Passei à leitura e constatei que o cronista abordava exatamente a temática que sempre me chama a atenção: casas sem reboco. Aliás, ele prefere chamar “reboque.”
Em certo ponto de sua crônica, diz o argentino: “E as pessoas que passam não podem fazer nada a não ser virar a cabeça e olhar, intrigadas, as paredes vermelhas; o fundo escuro de uma parede-meia fechando um ângulo e os ângulos nus ásperos, como se tivessem sido lambidos pelo calor de um terremoto, enquanto as centopeias correm pelas chapas de zinco perfuradas.”
Na tentativa de explicar essas casas vermelhas, o cronista portenho levanta várias hipóteses: cálculos equivocados de gastos, briga com os pedreiros, ou as várias facetas de um imprevisto.
Ingenuamente, penso-me ganhando na loteria e chegando na porta de uma casa dessas para saber de quanto precisam para concluir a construção interrompida. Desse modo, confortaria-me ter ajudado a resolver esse problema, como uma gota d`água no oceano.
Esse quadro real que descrevo remete para o problema da habitação no Brasil. Após a pandemia, o número de moradores de rua aumentou nas capitais brasileiras, principalmente em São Paulo. Mas não é só no Brasil. Nos Estados Unidos, tão ricos e poderosos, há milhares e milhares de moradores de rua. Alguns, por vocação ou miséria. Outros, brigam com a família para viverem nas ruas.
O déficit habitacional no Brasil chega a mais de seis milhões de pessoas sem casas. Nessa contagem, incluem-se as moradias precárias, as primeiras vítimas das grandes chuvas. Nessas moradias, às vezes moram mais de seis pessoas. Situação que afronta o direito fundamental à moradia que garanta o mínimo existencial das pessoas humanas.
Nesse panorama desolador, ter uma casa sem reboco já é um privilégio, independentemente da impressão que causa às pessoas que passam.
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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