Hoje, 30 de outubro de 2021, comemora-se o bicentenário de nascimento de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, escritor, profeta, filósofo e psicólogo russo que escreveu marcantes obras da literatura universal e criou personagens polêmicas que adquiriram vida própria e até hoje são estudadas à parte do seu criador.
Dostoiévski teve uma infância limitada pela vida austera do seu pai, médico, que morava de favor num anexo do hospital onde trabalhava. Depois, foi estudar engenharia numa escola militar e dar início a uma vida das mais tempestuosas na carreira de um escritor.
A marca preponderante de Dostoiévski são o rosário de contradições de sua existência, dos seus escritos e o tormento de Deus que o acompanhou a vida inteira, propagando-se por toda a sua obra.
Para resumir sua vida numa palavra, diria que Dostoiévski foi um homem intenso, ou (in)tenso, movido pela exploração de interioridade e pela tensão constante entre seus paradoxos e sua busca de plenitude.
A intensidade da vida de Dostoiévski manifesta-se desde sua juventude revolucionária, que o condenou à Sibéria; à sua busca de Deus em todos os momentos; à sua visão social pelo sofrimento alheio; aos seus sofrimentos pessoais; e às lições que acumulou em toda a sua trajetória.
Quando comecei a ler Dostoiévski há muitos anos (agora estou nas releituras), imaginava-o um autor isolado e original, em todos os ângulos literários. Só com a leitura de Joseph Frank, seu mais profundo biógrafo, é que tomei conhecimento dos seus vastos estudos literários. Ele lia todos os autores franceses, italianos, alemães e ingleses da sua época. Estava permanentemente atualizado sobre tudo o que se publicava e foi contemporâneo do nascimento do marxismo e seus debates por toda a Europa. Até quando estava preso, na Sibéria, seu irmão Mikhail mandava-lhe livros e revistas constantemente. Era, portanto, um leitor voraz de todos os autores russos e dos estrangeiros, como Balzac, Flaubert, Schiller, Hoffmann, Dickens, George Sand, Dante, Goethe, Cervantes e tantos outros. Quando voltou do exílio, fundou sua própria revista para propagar a literatura russa.
Dostoiévski estreou no cenário das letras em 1846 com a publicação de dois livros: O duplo e Gente pobre. Ambos tiveram boa receptividade e deram ao autor o prestígio de um escritor russo, segundo o critério daquela época. Essas obras constituem a fase pré-siberiana de Dostoiévski. O cerne da sua consagração como escritor viria depois, na fase pós-siberiana, a partir de 1859, quando retorna do degredo.
É lamentável encontrar-se hoje poucos leitores que tenham ânimo para enfrentar seus romances principais com 600 a 900 páginas, como O idiota, Os demônios, Humilhados e ofendidos, Crime e castigo, Escritos da casa morta (Recordações da casa dos mortos), O adolescente e Os irmãos Karamázov, os quais exigem concentração e paciência para consumir suas folhas e acompanhar as múltiplas personagens. Ocorre que têm livros de poucas paginas, mas de importância tão reconhecida como esses romances volumosos, como Memórias do subsolo, O sonho de um homem ridículo, Eterno marido, O duplo, Duas narrativas fantásticas e muitos outros. A garantia que o leitor terá é chegar ao fim de cada leitura recompensado.
Por causa do número de personagens e de suas falas nos principais romances de Dostoiévski é que se diz que ele inaugurou o romance polifônico. Essa tese é explorada com propriedade por Mikhail Bakhtin, em seu livro Problemas da poética de Dostoiévski.
Os leitores que se interessarem pelas obras de Dostoiévski contam hoje com o privilégio de ler traduções diretas do russo, o que não acontecia antigamente, quando as edições publicadas no Brasil eram traduções do francês, o que diminuía a autenticidade do texto. A editora 34 e a Martin Claret estão publicando as obras completas desse escritor russo, com destaque para os tradutores Paulo Bezerra e Oleg Almeida.
Os romances de Dostoiévski eram as leituras preferidas de Freud e Nietzsche. Muitas teses desses gênios foram tiradas do lado psicológico e filosófico dos romances dostoiveskianos. O lado profético dele se revela em ideias e muitas discussões dos personagens dos seus romances. Por exemplo, no romance Os demônios aparece o primeiro ato de terrorismo na literatura, com o mesmo objetivo dos atuais terroristas.
É muito difícil resumir uma vida tão extensa como a de Dostoiévski num curto espaço de jornal. Precisaria de uma série com mais de vinte capítulos. Entretanto, fica aqui meu sentimento de homenagear esse notável escritor que ultrapassou sua pátria para se tornar universal, mesmo depois de tantos anos do seu nascimento e da sua morte, ocorrida em 1881.
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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