O mundo assiste, estarrecido, ao escândalo dos grampos que levou ao fechamento do tablóide inglês News of the World, que se alimentava das intimidades alheias, numa fome insaciável de lucro e poder. O milionário e bem-sucedido empresário da comunicação, Rupert Murdoch, e seus subordinados, controlavam tudo e somavam os lucros. Havia uma rede com raízes em vários setores do governo, tudo para servir o império midiático do empresário australiano.
Embora minado de atos reprováveis e criminosos, esse fato serve para uma análise do dilema do controle da mídia num mundo tão ávido de informações e transparência. Qual o limite da informação?
Serve, também, esse caso para compreendermos o verdadeiro sentido da expressão “crise de ética” que atinge o mundo globalizado. Apura-se, então, que ética não é uma palavra vazia de concretização, não é conselho para bem viver, não é divagação de teólogos, filósofos e nefelibatas. Ética é coisa mais séria e se erige como uma condição de vida, o que levou o filósofo francês Gilles Lipovetsky a dizer que “mais do que nunca a ética se afigura necessária, mais do que nunca se discernem seus contornos razoáveis”. Outra conclusão que advém desse episódio é a demonstração de tudo que não é ética: ganância exacerbada, lucro acima de tudo, desconsideração pelo outro, deslealdade de competição, eleição dos meios pela obsessão dos fins.
A mídia cresceu desordenadamente. Com auxílio do avanço tecnológico e os meios de controle ficaram atrasados e estarrecidos sem saber o que fazer. A lentidão do Judiciário e a velocidade da mídia são como a corrida do jabuti com a lebre.
O jornalista espanhol Juan Luís Cebrián, em seu livro “O pianista no bordel”, analisa com inteligência essa problemática entre o jornalismo, a democracia e as novas tecnologias, mostrando-se preocupado com a reiteração das práticas difamatórias que deterioram a profissão, invocando, inclusive, a assertiva de Oscar Wilde, de que “nos velhos tempos, a humanidade tinha a roda de tortura; agora, tem os jornais.” E dos blogs, o que ele diria diante de tanta devastação da privacidade alheia?
Se o escândalo Murdoch tivesse acontecido antes da publicação do livro de Cebrián, com mais razão justificaria o título do livro, tirado de um ditado espanhol: “Não digam a minha mãe que sou jornalista, prefiro que continue acreditando que toco piano num bordel”.
Ultimamente, as empresas têm apostado na ética como forma de elevar a produtividade e a respeitabilidade que almejam no mercado. O sucesso do livro “O monge e o executivo”, de James Hunter, é o maior exemplo dessa preocupação com o outro, com os auxiliares, com o público, com a sociedade como um novo desafio para as empresas.
Se o tablóide inglês News of the World vendia 2,7 milhões por dia, pode-se avaliar o tamanho do prejuízo que sofria a privacidade de alguém que tinha seu telefone grampeado, suas conversas analisadas, seus planos monitorados... E a população se alimentando dessa carniça imoral.
Outra dimensão assustadora do caso Murdoch foi a constatação do pessoal envolvido e do pessoal favorecido com as atividades criminosas. Era um pacto do crime, um conselho criminal, sustentado pela ganância econômica em busca da notoriedade sem escrúpulos, sem qualquer compromisso com a responsabilidade e respeito ao leitor.
Apesar desse tipo de escândalo, apesar desse lado preocupante, ainda vale a pena acreditar que a imprensa livre é o sustentáculo da democracia. O que não se pode desconhecer – e essa conclusão não é só para os jornalistas – é que a ética deve estar presente em todos os atos das pessoas civilizadas, em todas as suas atividades, sob pena de esquecermos o lado humano de todos nós, a vocação do bem que os homens herdaram, até pela sua gênese divina.
Desse triste episódio, fica, portanto, esta lição: o jornalismo precisa conciliar sua vocação de sustentáculo da democracia com o dever de agir segundo os postulados da ética. Sem ética, a informação deixa de atender o direito do outro de ser informado e não enganado. Jornalismo, informação e ética devem andar juntos para o bem da sociedade e da democracia. É possível conciliar o atrevimento necessário ao exercício da profissão de jornalista com a atenção pelos limites alheios.
Murdoch é o novo desafio ético para o mundo. Uma esfinge que precisa ser desmanchada, antes que se propaguem para outros cantos esses artifícios a serviço do mal.
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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