TANQUES E TOGAS

     Acabei de ler, um pouco atrasado, o livro de Felipe Recondo que conta a relação do Supremo Tribunal Federal com o regime instalado em 1964: Tanques e togas: o STF e a ditadura militar. Antes, já havia lido Os onze, também da sua autoria, tratando da história recente daquela Corte.

     A obra de Recondo traz um relato minucioso sobre os bastidores do relacionamento dos ministros com os governos de Castelo Branco,  Costa e Silva, Médici e Geisel.

     Como não poderia deixar lembrar, registra o autor o primeiro embate do STF com os regimes totalitários, que começou com aquela conhecida ameaça feita por Floriano Peixoto aos ministros: “quem lhes dará o habeas corpus?”

     O ministro Ribeiro da Costa, presidente do Supremo, em 1964, apoiou o golpe militar, apostando na ordem do país. Mas, essa postura não o comprometeu com o regime, pois logo assumiu uma posição de independência, firmada pela concessão de habeas corpus ao governador de Goiás, Mauro Borges, em 14 de novembro de 1964. Foi a primeira liminar, em habeas corpus, concedida pelo STF.

     Em conseqüência desse gesto corajoso, e diante da pressão do governador Carlos Lacerda contra a concessão, Ribeiro da Costa declarou: “Já disse e repito que os onze juízes do Supremo Tribunal Federal não são carneiros, submissos à vontade ou à imposição de quem quer que seja. São, poderíamos dizer, ao contrário, onze leões, onde juízes de caráter, como deve ser todo juiz”.

     Narra o autor de Tanques e togas que, em momento posterior de crise entre os dois poderes, o ministro Ribeiro da Costa ameaçou fechar o Supremo, atravessar a Praça dos Três Poderes e entregar a chave para Castelo Branco.

     Em seguida, contrariando a posição dos militares, por unanimidade, o STF concedeu habeas corpus para determinar a soltura do governador de Pernambuco, Miguel Arraes. A sessão foi presidida por Cândido Motta Filho e a relatoria foi do ministro Evandro Lins e Silva. O Estado Maior do Exército cumpriu a ordem, mas o prendeu em seguida, alegando que havia outros inquéritos contra o paciente.

     Depois vieram os habeas corpus em favor de Darcy Ribeiro e do jornalista Franklin Martins, preso no famoso congresso estudantil de Ibiúna, todos concedidos.

     Diante dessas ousadias, o regime reagiu imediatamente. Editou o AI-2, de outubro de 1965, elevando o número de ministros para 16. Com a nomeação de cinco novos ministros, ficava equilibrada a influência do governo no STF. Dentre os nomeados, estava Aliomar Baleeiro, Adaucto Cardoso e Oswaldo Trigueiro, todos com experiência como ex-parlamentares. Os novos ministros gozavam de respeito no meio político e jurídico.

     Com base no AI-5, editado em 13 dezembro de 1968, foram aposentados compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor Nunes Leal. Logo depois, aposentaram-se, por idade, mais dois, o que fez o governo, em janeiro de 1969, retornar o número de ministros para onze.

     O conhecimento desse período marcado pela tensão entre o STF e o governo militar é necessário para compreendermos a sua função como guardião do estado de Direito e assegurador da única ordem que conta: a ordem constitucional.

     Os equívocos e algumas atitudes deste ou daquele ministro não comprometem a magnitude do Supremo como Corte Constitucional, tendo sua legitimidade assegurada pela Constituição Federal e pela sabatina que se sujeitam, após a indicação, no Plenário do Senado, em nome do povo. Lembrem-se de que a sabatina do ministro Fachin foi acompanhada por todo o país e durou mais de 12 horas.

     Respeito, portanto, é o que devemos ao Supremo Tribunal Federal como assegurador do catálogo dos nossos direitos fundamentais, garantindo a efetividade das promessas ali vertidas em capítulos, artigos e parágrafos.

 

Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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