se no canto da página
ainda grita rouca
uma esperança renitente
é porque o livro
livra o sujeito
de um predicado delinqüente
Félix Alberto, Carta aos bárbaros.
Quando se pretende cativar alunos para o hábito da leitura, costuma-se dizer que os livros falam, conversam com os leitores, dando-lhes informações e distraindo-lhes dos afazeres da vida. Às vezes, até ajudam a curar doenças, principalmente as marcadas pela solidão.
Lembro de uma frase, sempre dita nessas ocasiões: “O livro é um mudo que fala, um cego que vê e um surdo que escuta.”
A versão que trago sobre o livro é diferente e mais incrédula. Estou dizendo que os livros falam mesmo, balbuciam, às vezes gritam. Lembram-se daquele famoso verso de Bilac “Ora (direis), ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!”. Então, ele abre a janela e conversa com elas toda a noite. Só os poetas têm ouvidos com essa capacidade de ouvir estrelas.
Esta crônica já estava pronta quando li, no dia 10 de março passado, a coluna de Karnal, no jornal O Estado de São Paulo (Onde estão os leitores?), na qual ele faz essa mesma alusão a Olavo Bilac, para registrar em seu estilo inconfundível: “Eu, leitor, desperto como o observador de estrelas de Bilac, que chega ao alvorecer tomado de emoção das conversas que manteve durante a noite.”
Assim são os bibliófilos: ouvem os livros. Quando entro na minha biblioteca, fico atordoado de tantos chamados: estou aqui, leia-me; não esqueça de mim; venha me tirar da fila, venha me ler. Às vezes, tapo os ouvidos e saio depressa.
Outro dia, aconteceu um fato especial. Estava olhando uns títulos, calmamente, quando viro, ouço a voz de um livro na prateleira do lado oposto, à minha frente: “Acode-me, estou sendo roído.” No meio de várias biografias – o que não era objeto da minha procura –, vou direto na biografia de Fernando Pessoa, da autoria de João Gaspar Simões, e quando a retiro, deparo-me com milhares de cupins dilacerando aquele livro e os seus vizinhos. Fiquei impressionado.
Esse fenômeno já ocorreu duas vezes. A última foi Artur Azevedo que me chamou baixinho quando eu ia passando perto da primeira edição de Vida alheia: “Socorro!” Puxo o livro e os cupins estão minando sua base. Ainda deu tempo de recuperá-lo, graças ao seu pedido de ajuda.
Sei que é difícil acreditar nessas histórias, mas aconteceram. E os bibliófilos já estão acostumados com essas narrativas sem se impressionarem.
Encontrei uma crônica antiga de Arnaldo Bloch, publicado em O Globo, com o título “Por quem os livros choram.” Em algum momento, para provar sua afirmação, ele diz: “Têm vida os livros que choram. Que gritam. Que se desesperam. Os livros que falam e que riem, às turras, amargos, na cara do leitor.”
Anda pelo mundo uma forte campanha, alguns países já com leis aprovadas, para retirar dos cachorros e gatos a condição de “coisa”, na concepção jurídica. Hoje são considerados seres sencientes, porque têm sensibilidade, sentem e adivinham o estado emocional dos seus donos.
Acho que no futuro, se ainda estiverem vivos, os livros devem passar, também, à condição análoga a seres pensantes, companheiros fiéis dos homens, merecendo um tratamento mais “humano”. Essa ideia não é nova. Claude Roy, poeta e ensaísta francês, já disse que os livros são pessoas: “Procuro tratar os livros como eles me tratam, isto é, de homem para homem, diz ele.”
E eu concordo.
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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