OS COLETES AMARELOS

     A França foi surpreendida com o movimento populista dos chamados “coletes amarelos”, que protestavam, no início, contra o aumento de uma taxa sobre os combustíveis. Depois, como tem acontecido em todas essas manifestações, a agenda (se é que existia agenda) diluiu-se em vários pontos: contra os partidos políticos, contra a elite francesa e o clamor por uma vida melhor. E tudo isso, sob a presidência de Macron, eleito por esses mesmos insatisfeitos com o governo anterior. As passeatas, espalhadas por diversos pontos do país, têm ocorrido aos sábados.

     No Brasil, em 2013, experimentamos semelhante tipo de movimento, acéfalo e sem organização, incentivado pelo Facebook e pelo WhatsApp. Embora desencadeado contra o aumento de tarifas de ônibus, alguns integrantes exibiam cartazes pedindo a volta da ditadura e outras veleidades. Esses tipos de protestos deixaram de ser característicos da esquerda e dos anarquistas. Hoje até – e, inclusive – a extrema direita tem se utilizado das ruas para alardear suas mensagens e clamar por um regime de força.

     Esse fenômeno, iniciado na Primavera Árabe, é uma surpresa dos tempos atuais e é o resultado das redes sociais, que deram vozes aos revoltados, aos insatisfeitos, aos excluídos, às minorias e aos infelizes. Nesse ponto, denota um aspecto positivo, na medida em que afirma o poder da soberania popular. Tive oportunidade de elogiar a Primavera Árabe, logo no começo, com uma crônica intitulada Agora é a vez da ágora. Ocorreu que o resultado daquele movimento não foi o esperado. Apenas a Tunísia conquistou uma situação política satisfatória.

     O que querem hoje essas pessoas? As reivindicações são legítimas? Judith Butler, em sua obra Corpos em aliança e a política das ruas, analisa essa explosão popular como expressão do direito ou liberdade de assembleia. Se estamos na rua, diz ela, é porque somos corpos que exigem formas públicas de apoio para se sustentar e se mover.

     Essas aglomerações espontâneas e emotivas das multidões são imprevisíveis porque, muitas vezes, fogem à qualquer roteiro racional. Podem explodir a qualquer momento. Só a reinvenção do mundo pode coibir o avanço dessas ondas de protestos, já há muito tempo, analisadas por Ortega y Gasset, em seu estudo sobre A rebelião das massas.

     O perigo desses movimentos desenfreados, com agendas difusas e incongruentes, é fazer sucumbir a democracia. No momento em que repudiam os partidos políticos e seus agentes, estão repudiando a legitimidade da representação popular, que é o esteio da democracia. Daniel Innerarity, em seu livro A política em tempos de indignação, é bem preciso nesse sentido, ao dizer: “O que mais me chama atenção para o atual regime de descontentamento em relação à nossa forma de vida democrática é o fato de haver tantos vaticínios que encontram eco numa geração desprovida de memória e cultura política”.

     Eric Hobsbawm, na parte final do seu conhecido livro A era dos extremos, traz uma conclusão preocupante, ao dizer: “Não sabemos para onde estamos indo. Só sabemos que a história nos trouxe até este ponto”.

     Sem desmerecer o direito de indignar-se, só resta torcer pelo equilíbrio do mundo tresloucado do século XXI e que os coletes amarelos não despertem em algum saudosista brasileiro o desejo de tirar sua camisa verde do baú da história.

Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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