Apesar das alternativas surgidas nos últimos tempos e já consagradas pela sociedade e pelo próprio ordenamento jurídico, o casamento continua prestigiado e muito procurado por casais de todas as idades.
Continua-se casando sob os mesmos rituais e as mesmas tradições.
Apesar da permissão legal, as noivas continuam, em sua grande maioria (mais de 90%), a adotar com convicção o nome do marido, para contentamento também dos seus familiares presentes ao ato.
Entretanto, percebe-se que o casamento vem perdendo sua marca de invulnerabilidade, sofrendo modificações para se adaptar às transformações do mundo e à inconstância das relações modernas, além da preservação da individualidade de cada um. Algumas alternativas já estão sendo utilizadas por casais mais abertos: como viver em quartos ou casas separadas, escrituras pré-nupciais com cláusulas específicas, a troca de casais em clubes privados para afastar o tédio do cotidiano etc.
Gabriel Lacerda, em suas “digressões lúdico-jurídicas sobre a instituição do casamento monogâmico”, sugeriu, em tom jocoso, várias opções para um novo contrato de casamento capaz de suportar as mudanças da sociedade, inclusive chamando a atenção para a fixação de prazo. “Quanto tempo deve durar?”, pergunta o autor citado.1
Esse novo projeto de casamento precisará atender às características do homem e dos tempos modernos, até mesmo considerando a longevidade, fator que Bernardo Jablonski coloca entre as causas de crise do casamento contemporâneo, pois a expectativa de vida aumentou e isso exigirá mais paciência e afeto para garantir a convivência prolongada do casal, até que a morte os separe.2 A esse respeito diz John W. Jacobs, em livro recentemente publicado no Brasil: “Portanto, não deveria surpreender que muitos casamentos hoje durem tanto quanto os de um século atrás. A diferença é que terminam em divórcio, e não em morte.”3
As separações e divórcios aumentaram nos últimos anos, o que não deve ser motivo de alarme, pois se trata apenas da conseqüência de inúmeros fatores presentes na vida moderna, como a liquidez do amor e a facilidade que o casal tem em reconstruir sua vida.4 Vale lembrar, também, que o estigma de “separada” deixou de existir. A independência da mulher levou-a a superar e a enfrentar os preconceitos sociais e partir para edificar uma nova vida, até mesmo com crescimento pessoal. Nesse roteiro de pensamento é que Edoardo Giusti idealizou “um guia para uma separação sem traumas antes, durante e depois” com o sugestivo nome de A arte de separar-se, onde apregoa que “a separação não consiste apenas no rompimento com um passado que não pode mais viver, ela constitui também um impulso (ou a condição para um impulso) afirmativo frente à própria vida.”5
Não adianta alimentar uma relação que já nasceu com a vocação do fracasso. Daí a lição de Badinter: “Nada será feito para salvar uma união vacilante. Em nome da autenticidade, separa-se. É a salvação ou o inferno.”6 O dilema que se coloca é saber até que ponto a impaciência do homem moderno, a ausência do senso de dever e responsabilidade, não exageram esses incidentes, tornando-os definitivos, quando poderiam ser superados no próprio processo de convivência. Até que ponto essas contrariedades tornaram-se tão elevadas a ponto de gerar a insuportabilidade da convivência?
A facilidade com que se dá a separação e o divórcio, no Brasil e em outros países, de certa forma contribui para estimular a falta de paciência e a tolerância dos cônjuges entre si. À primeira crise, tudo se acaba. As irritações banais adquirem o valor de questões importantes, no dizer de Laura Kipnis.7
Agora, com a possibilidade de fazer a separação consensual e o divórcio por escritura pública, diretamente no cartório, banalizou-se mais o rompimento do vínculo conjugal, estimulando a prática da poligamia em série.
É sobre essa fragilidade do casamento moderno que Laura Kipnis propõe seu “pacto fundamental do casamento sustentado”, reduzido a esta fórmula simples mas profunda: “Se e como as necessidades de uma das partes estão sendo atendidas em um dado momento pela outra parte. Invariavelmente não estão, ou não totalmente.” 8
Essas necessidades, segundo a autora, podem ser a paz de espírito e a preocupação de que um parceiro não cause ansiedade ou irritação ao outro.
Não há dúvida de que o casamento tornou-se vulnerável e de pouca duração (a durabilidade é uma exceção), devido a inúmeros fatores, mas esse problema não lhe retira o valor que ainda encerra, provocando sonhos em donzelas e representando o alcance da estabilidade emocional e o começo da construção do ninho a que almejam todos que pretendem constituir uma família.
O trabalho da mulher fora de casa, a chegada dos filhos, as divergências cotidianas, tudo são fatores que exigem mais maturidade dos casais e a permanência de diálogos constantes.
Curiosa observação faz Elisabeth Roudinesco no início de sua obra A família em desordem, sobre o desejo dos homossexuais em ter reconhecido seu direito ao casamento, justamente eles que optaram por uma maneira alternativa de conviverem depois de sofrerem os rigores da lei e ficarem fora das instituições que os excluíram. Por que esse “desejo de família?”, pergunta a autora.9
O que se percebe nos casais que procuram o casamento é o sentimento de realização pessoal, de concretização de um sonho, de uma felicidade almejada. Às vezes, somos chamados em hospitais ou casas particulares para celebrar o casamento de um moribundo que vive há muito tempo com alguém e teme morrer e deixá-la desamparada. Que casamento é esse, sem futuro? Poderíamos chamá-lo de casamento previdenciário? Esse tipo de casamento muitas vezes prejudica o consorte supérstite porque a união estável que já passava dos vinte anos se transforma num casamento com separação de bens, pela idade do enfermo, geralmente com mais de sessenta anos. Mas persiste na mentalidade do povo a idéia de que o casamento é um meio de segurança para a mulher. Nestes casos, ocorrem, com freqüência, tentativas de fraudarem a ocorrência de um casamento nuncupativo.
Nas sociedades preconceituosas, até recentemente, concebia-se o casamento como um meio de ascensão social (se era um pobre com uma rica ou uma pobre com um rico) ou mesmo de limpagem (se era uma negra com um branco ou vice-versa).
Dizia-se, neste último caso: Fulano vai-se limpar com esse casamento. Também usavase o casamento para fortalecimento político das famílias dos chefes políticos do interior.
Nesses casamentos, havia a marca do investimento, em primeiro lugar. Se havia amor, melhor ainda.
Talvez a falta de preparação, de maturidade, até de religiosidade, assim como as aberturas da sociedade em busca de prazeres, tenha contribuído para a efemeridade dos casamentos, que não estão chegando a dez anos de duração, em sua maior parte. Acredito que o primeiro passo para melhorar as coisas – diz John Jacobs – é aceitar que estamos passando por uma transformação social que está afetando radicalmente o casamento. Cada casal precisa entender os efeitos dessas mudanças sobre sua capacidade de manter um casamento satisfatório e aprender a lidar com eles.10 Esse sentimento de que algo precisa ser feito, já é o indício positivo que todas as crises provocam.
Mas, com crise ou sem crise, o casamento continua navegando pelos mares da incerteza e enfrentando as ondas da pós-modernidade. Resta descobrir meios para ele vencer as tempestades e chegar ao porto da estabilidade.
(* Capítulo II, do livro A família partida ao meio, de autoria de Lourival Serejo).
1 LACERDA, Gabriel. Contrato de matrimônio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
2 JABLONSKI, Bernardo. Até que a vida nos separe: a crise do casamento contemporâneo. Rio de janeiro: Agir, 1991.
3 JACOBS, John W. Você só precisa de amor e outras mentiras sobre o casamento. São Paulo: Globo, 2004, p. 27.
4 Zygmunt Bauman, em seu livro Amor líquido fala sobre a fragilidade dos laços humanos e do rebaixamento dos padrões do amor. Como resultado dessas mudanças, “o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo
codinome de “fazer amor”. (Op.cit. p. 19).
5 GIUSTI, Edoardo. A arte de separar-se. 12. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 60-61.
6 BADINTER, Elisabeth. Um é o outro. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 288.
7 KIPNIS, Laura. Contra o amor. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 94.
8 Op .cit. p. 93.
9 ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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