Aconteceu nos primeiros dias do mês passado, num retorno do São Francisco, uma cena que desperta debates e análises divergentes, dependendo de que ângulo ela será vista. Na verdade, é um reflexo do momento de tensão nervosa em que vivemos, na era dos extremos.
Uma senhora ia passando no seu carro, quando percebeu que o carroceiro à sua frente chicoteava o animal que puxava a carroça dele. Num ímpeto, saltou do seu carro, tomou o relho das mãos do carroceiro e aplicou-lhe várias relhadas.
O caso foi levado à delegacia pela filha do carroceiro, sob a acusação de que a senhora teria praticado um ato de violência contra um idoso.
Aí está posta a questão: quem merece a proteção legal: o homem ou o animal? Onde a ética entra nesse debate?
Talvez alguém preferisse analisar esse quadro sob o ângulo de duas leis: a lei de Newton (a toda ação corresponde uma ação igual ou diretamente oposta) e a lei do talião (dente por dente, olho por olho).
A carroça sempre foi um meio de vida de muitas pessoas. Não há carroça sem animal e sem relho.
Ninguém duvida de que a proteção aos animais hoje é uma atitude mais acentuada na sociedade, apesar de não ser algo novo. Temos uma lei de proteção aos animais datada de 1934, à época de Getúlio Vargas. Sabe-se que o advogado Sobral Pinto invocou artigos dessa lei em defesa dos presos políticos que estavam sendo torturados pela ditadura de Vargas.
Nossa Constituição também protege os animais. Tanto o Decreto-Lei de 1934 como a Constituição manifestam-se contra a "crueldade" praticada contra os animais.
Essa mesma Constituição protege – com muita ênfase – os idosos, seguindo-se como complemento o Estatuto do Idoso.
Qualquer pessoa se indignaria caso encontrasse uma carroça carregando um peso excessivo, puxada por um jumento frágil e tocada por um condutor enfurecido. Aqui caracterizar-se-ia a "crueldade" de que fala a Constituição.
Quem praticou o excesso, no caso do São Francisco, o condutor que batia maquinalmente (como todo carroceiro) no animal ou a senhora que aplicou relhadas no idoso, como se estivesse aplicando-lhe uma pena da Lei do Talião pela conduta dele?
Para deixar o leitor à vontade, prefiro não emitir minha sentença. Concedo-lhe, entretanto, esse desafio.
E para concluir, relembro esta história que se amolda bem ao caso sob análise. Na minha terra, lá em Viana, havia um tipo popular, já idoso, de voz enrolada, que se ocupava em carregar bagagens nas costas ou descarregar caminhões cheios de sacos de babaçu ou arroz. O maior sonho do Seu Estevão era ter uma carroça. Um dia ele saiu alegre, espalhando o seu contentamento por toda a cidade com esta boa nova: Agora vou ter a minha carroça: já comprei o relho.
E então?
Por: Lourival Serejo
Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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