A indignação de Suzane

     Sexta-feira, 21 de março, às 8 horas, quando me dirigia ao trabalho, deparei-me com um enorme engarrafamento, com reflexo desde a ponte de São Francisco. Do outro lado, pelas bandas da ponte Bandeira Tribuzzi, a mesma coisa. A muito custo, desviando a rota normal, cheguei ao meu destino.

     Muitas pessoas tiveram suas rotinas diárias alteradas por conta daquele transtorno. No Tribunal, Câmaras deixaram de reunir-se, provocando o adiamento de muitos julgamentos. Seria mais uma manifestação? Algum movimento grevista? Todos se perguntavam. Éramos informados apenas sobre uma aglomeração de pessoas defronte do terminal de ônibus da Praia Grande.

     No outro dia, pelos jornais, ficamos sabendo a origem de todo o engarrafamento. Aconteceu que uma trabalhadora, chamada Suzane, 26 anos, auxiliar de serviços gerais, não suportando mais os atrasos e o sufoco diário dos transportes coletivos, indignou-se e bradou a todos os seus companheiros de infortúnio: “Vamos para a rua!” E foram, e protestaram, e pararam os ônibus, e pararam os carros.

     A indignação de Suzane deve ser tomada como alerta para os administradores públicos. No momento em que o cidadão se apodera de sua dignidade, de sua cidadania, ele pode mudar o rumo das coisas.

     Os ecos das ruas de 2013 ainda não cessaram. Estudos e livros foram publicados para explicar aquele fenômeno que fez rebentar a crosta da indiferença e brotar a força da cidadania. A potencialidade do cidadão é capaz de fazer revoluções e mudar o rumo da História. No caso de Suzane, embora se trate de um repeteco, deixa claro que as reinvindicações do ano passado não foram atendidas nem as lições aprendidas.

     Há 50 anos, os clamores de renovação foram sufocados debaixo de botas impiedosas. Mas a força reprimida nunca deixou de lutar, até conseguir recuperar a liberdade e o direito de indignar-se, o qual vem sendo exercido regularmente.

     Ouçamos o brado de Suzane, enquanto é um clamor de justiça e de respeito pela dignidade da pessoa humana, antes que se alastre e faça voltar às ruas os gritos de protestos, em práticas imprevisíveis, inclusive de forma violenta. Nesse ponto, não custa nada lembrar a advertência de Hannah Arendt de que a violência, por ser instrumental, pode servir para dramatizar queixas e chamar a atenção pública. 

Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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