PEPETELLA

     A onda de escritores de língua portuguesa continua crescendo no Brasil. Entre os africanos, destacam-se Mia Couto, Agualusa, Gonçalo Tavares, Ondjaki, Germano Almeida e Pepetella.

     Como recentemente participei de um webinário com Pepetella, atenho-me, nestes comentários, a analisar três obras da sua autoria.

     Antes, devo informar que Pepetella é o pseudônimo de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nascido em Benguela, Angola.

     Como o número de escritores a cada dia aumenta, a única maneira de alguém se destacar é obtendo êxito em um concurso literário. Dentre os prêmios concedidos a Pepetella, destaca-se o Prêmio Camões, em 1997.

      As obras que escolhi para tecer breves comentários são: O planalto e a estepe, Mayombe e Sua excelência de corpo presente, todas com o selo da editora Leya.

     As duas primeiras são romances que têm como marca d´água a situação política de Angola, na década de sessenta, do século passado, com a explosão de movimentos de guerrilha visando à libertação daquele país do domínio português. Com a Revolução dos Cravos Vermelhos, em 1974, foi concedida autonomia política a Angola e outros países africanos.

     Foi nesse ambiente de luta que Pepetella, como membro do Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA, armazenou fatos sobre fatos, para edificar romances que projetam essa força terráquea presente nessas obras.

     Em O planalto e estepe o autor narra o drama amoroso entre os estudantes Júlio e Sarangerel. Ele, de origem angolana; ela, da Mongólia. Ambos eram estudantes bolsistas, patrocinados pela URSS, com objetivo de formar uma classe de jovens comprometidos com o marxismo e sua expansão em países subdesenvolvidos ou colonizados.

     A história desse amor proibido tem razões que vão muito além dos conhecidos dramas narrados em romances conhecidos, que tiveram como ponto mais alto a obra de Shakespeare, Romeu e Julieta. É uma história real, com as alterações próprias das narrativas ficcionais.

     As discussões políticas e ideológicas que integram o romance são indispensáveis para termos uma ideia mais nítida da revolucionária década de sessenta.

     Mayombe é o romance que garantiu a Pepetella o recebimento do prêmio mais almejado da literatura de língua portuguesa: o Prêmio Camões.

     É um romance que retrata a vida dos guerrilheiros do MPLA, sua organização, suas atividades e o idealismo que motivava aquele momento de libertação da Angola.

     A linguagem é do mesmo timbre de O planalto e a estepe: leve, forte, de pé no chão, distante de qualquer artificialismo.

     Na selva angolana, precisamente em Mayombe, desponta a natureza verde, riachos, montanhas, perigos e a magia dos mistérios, tudo bem descrito pelo autor.

     O último livro de Pepetella, ainda não lançado no Brasil, chegou-me pelas mãos de um amigo que o trouxe de Portugal. Trata-se do romance Sua excelência de corpo presente.

     Esse livro, cheio de humor e histórias (o autor teima em grafar “estórias”), começa com um soco no leitor: “Estou morto. Estou morto de olhos cerrados, mas percebo tudo (ou quase), do que acontece à minha volta”. 

     Sua excelência, o defunto, passou seus últimos anos como ditador num país africano. Agora, estava ali, morto, reverenciado por parentes, amigos e todo o corpo político do Estado. O velório estava apinhado de gente, coroas de flores, parentes, políticos e militares.

     Com um humor fino, adequado ao estilo do escritor, o ilustre defunto analisa toda a sua vida, a partir das personagens que comparecem às suas exéquias. O seu informante favorito – espião-de-um-olho-só – relata-lhe tudo o que está acontecendo, após sua morte, inclusive a luta pela sua sucessão. É o único que entende o que o morto fala e de quem ele ouve as novidades após sua morte.

     O romance é uma alegoria sobre a podridão interna de um governo corrupto e ditatorial, sem ética e sem limites.

     Ainda hoje, a África ainda padece desse mal de abrigar ditaduras cruéis que não respeitam os direitos individuais nem as regras democráticas de transição, onde a corrupção comanda.     

     Ao transpor para a literatura esse quadro social e político, o escritor contribui para desenvolver nos leitores mais atenção crítica e compreender melhor os momentos da história contemporânea.

 

Por: Lourival Serejo



Lourival Serejo

     Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana, Maranhão. Filho de Nozor Lauro Lopes de Sousa e Isabel Serejo Sousa. Formou-se em Direito, em
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